A importância do brincar

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É no momento da diversão que a criança aprende, experimenta o mundo, cria novos laços de amizade, além de ser um direito garantido na Constituição

A importância do brincarMais de mil alunos já se formaram na Escola de Hackers

Crédito: Divulgação

Crianças buscam interagir com outras crianças e descobrem o mundo por experimentações sensoriais e lúdicas. Concretamente, precisam de tempo para brincar livremente, durante toda a infância. Nessas interações produzem cultura. Atividades comuns às crianças de um passado recente, como jogar bola, andar de bicicleta, tomar banho de chuva, colher fruta na árvore, ir a pé para a escola e ter intimidade com os elementos naturais: água, ar, terra e fogo, entre outras ações definidas pelo grupo de pares, sem interferência de adultos, permanecem como memória e cada vez menos como práticas comuns à infância.

A questão é onde brincar, num contexto de espaços públicos que não parecem seguros, nem acolhedores a essa parcela da população. O problema pode se agravar quando ruas, parques, pracinhas e demais espaços públicos não são pensados nessa participação dos pequenos cidadãos e não os acolhem para que vivam a infância de forma segura e protegida, em conexão com a cultura e o mundo natural. Em Passo Fundo, embora alguns espaços tenham sido revitalizados, como o Parque da Gare, o Banhado da Vergueiro e o Sétimo Céus, existem praças nas vilas que estão depredadas e não servem para atender ao público infantil. A pracinha da Vera Cruz e a que está localizada no canteiro da Presidente Vargas, em frente ao Cecy Leite Costa são exemplos.

Há algo a ser revisto se permitimos que desde os primeiros anos de vida da criança, os instrumentos do mundo do trabalho, como celulares e tablets, sejam transformados nos seus principais brinquedos. “Não faltam estudos consistentes que expõem os problemas gerados no uso precoce e sem limites, pela criança, desses dispositivos. Dificuldades no domínio corporal e psicomotor, de atenção e concentração nas atividades escolares, emocionais e sociais, dentre outras evidencias preocupantes, são alarmes disparados, mas não percebidos. Há uma perda significativa de tempos livres para brincar, de mobilidade e de autonomia” explica a psicopedagoga, doutora em Estudos da Criança, Rosana Coronetti Farenzena.

São muitas as repercussões negativas dessa redução de mobilidade e de diversidade de experiências, para a criança e para o adolescente. Isso pode ser mudado, a começar pela organização dos tempos da “criança agenda”, aquela que tem pouca autonomia em um cronograma cheio de atividades, voltado a sua preparação para um tempo futuro. Assim, fica esquecida, muitas vezes, a criança do presente. Há também a necessidade de engajar programas, ações e reivindicações que visam uma cidade amiga das crianças, uma cidade saudável, escolas qualificadas, com melhor distribuição de áreas verdes e áreas construídas, já que é nesses lugares que elas vivem grande parte da sua infância.

A qualidade dos cuidados e das interações nos primeiros meses e anos de vida é determinante do desenvolvimento da criança. Nessa lógica, escolas dedicadas à educação da infância devem demandar atenção contínua à organização do espaço e do tempo pedagógico, bem como à qualidade das mediações. Crianças pequenas se beneficiam de espaços amigáveis, serenos e acolhedores dos diferentes ritmos e identidades. A psicopedagoga, Rosana, acrescenta que como princípio geral, boas escolas se constituem em territórios educativos com essas características. “Em um ambiente em que as crianças se sentem seguras, elas podem buscar além do que já sabem, tentar resolver problemas de diferentes maneiras, avaliar e correr riscos necessários às descobertas, fazer perguntas cometer erros, aprender a confiar, compartilhar seus sentimentos e crescer”, disse.

 

Valorização da natureza
Quando foi a última vez que você sentiu o contato de seus pés descalços na terra ou observou nuvens a procura de formas de animais? Dadas as condições para uma crescente proximidade, de adultos e de crianças, com aparelhos tecnológicos, telas e entretenimento, nem sempre são fáceis as oportunidades das famílias para que se conectem com o ambiente natural.

Uma boa lógica seria reduzir sensivelmente o tempo de tela e aumentar significativamente o tempo de contato com a natureza.

 

“Estudos demonstram que as crianças interagem de forma criativa quando brincam em áreas verdes, são mais cooperativas nos jogos, resolvem problemas com maior autonomia e apresentam níveis mais baixos de estresse. Crianças são intrinsecamente atraídas pela natureza, gostam de explorá-la, de estar ao ar livre, pular em poças d’água, brincar com lama, tomar banho de chuva, coletar sementes, gravetos, pinhas e pedras. São os nossos hábitos e circunstâncias que contrariam essa inclinação inata, cujo destino não é o desaparecimento com a chegada à idade adulta. É lamentável deixarmos que o nosso modo acelerado de viver reduza essa oportunidade de descoberta, alegria e de produção de conhecimentos pelas crianças”, relata Rosana.

Valorizar o meio ambiente é uma impossibilidade ou algo improvável a quem o desconhece. Mas os benefícios que a vivência com a natureza oferece são significantes: bem estar, reduzem conflitos entre as crianças no ambiente escolar, aumentam a sua concentração, fortalecem a resiliência, a empatia, o espírito crítico e a liderança, permitem identificar e responder a riscos. Não faltam motivos, portanto, para que a proximidade com a natureza seja um objetivo na educação de crianças, por parte de pais, da comunidade e dos poderes públicos.

 

Educação compartilhada
As mudanças e transformações da sociedade ocorrem em vários sentidos, como por exemplo, a antecipação progressiva do ingresso em instituições de educação infantil – creches e escolas. Nesse caso, são várias horas do dia num contexto que não o familiar e em ambientes que, se espera, estejam adequadamente preparados para respeitar a criança, ouvi-la nas suas formas de comunicar, e garantir o seu melhor desenvolvimento individual e social nas dimensões física, motora, cognitiva, afetiva, moral, cultural e social.

 

Essa educação compartilhada parece um arranjo simples, mas implica em sensível redução dos tempos de interação concreta entre pais e filhos, o que em si não representa algo negativo se pais emocionalmente presentes garantirem um campo relacional de vínculo, confiança e segurança. O conceito de convívio familiar também vem sendo reconfigurado, no sentido de que aquilo que era quase que totalmente presencial pode ser também virtual, e por vezes mais virtual que presencial.

 

Isto faz pensar em outra implicação da tecnologia no cotidiano familiar, a presença de aparelhos multifuncionais que conectam com o mundo virtual e absorvem usuários das diversas idades. “Facilita-se assim um cenário de adultos distraídos das suas funções parentais e de crianças que passam longas horas solitárias, sentadas e sedentárias. Quando isso acontece há um comprometimento do convívio, da quantidade e da qualidade de interações estruturantes da personalidade da criança, sem falar da identidade familiar. O exemplo passa de pai para filho, e por isso, o cuidado com o desenvolvimento das crianças deve ser acompanhado”, relata Rosana.

Alfabetização
Nem sempre maior tempo de trabalho formal em aula representa maior aprendizado por parte das crianças. O trabalho mecânico, rigidamente roteirizado e de baixa participação não gera envolvimento e condiciona aprendizados. Do ponto de vista legal, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define o conjunto de aprendizagens essenciais que devem ser desenvolvidas pelos alunos na Educação Básica e detalha os objetivos de aprendizagem de cada ano escolar, indica que as crianças deverão estar alfabetizadas ao final do 2º ano.

 

“Não há o que justifique pressões sobre a criança com a curricularização ou escolarização da educação infantil. Epor escolarização entenda-se um ensino classificatório, com tempos longos de instrução direta, ao modo antigo, em que o professor controlava o conteúdo e o ritmo do que uma criança deveria aprender. Há desconhecimento da participação das crianças, desde as decisões das rotinas”, pontua a psicopedagoga.

 

A lógica acelerada secundariza experiências importantes ao desenvolvimento humano, como a música, às expressões cênicas e plásticas, assim como o brincar. É ainda mais prejudicial quando isso envolve crianças pequenas. Os resultados são previsíveis, crianças menos curiosas, engajadas e entusiasmadas pelos aprendizados. Amplas oportunidades para as crianças usarem e ouvirem uma linguagem complexa e interativa, acionarem habilidades sociais e emocionais num aprendizado ativo; envolvimento familiar significativo e professores qualificados são indispensáveis nessas duas etapas da Educação Básica e relacionam-se à qualidade da educação.

 

Para que não se pense que a educação escolar ignora, dispensa ou atrita com a tecnologia, a BNCC enfatiza o ensino das especificidades da leitura e da escrita também em ambientes digitais. Foram contemplados textos multimidiáticos, que incluem vídeos, filmes, áudios e música. O professor tem papel decisivo no uso qualificado das ferramentas digitais e nas demais dimensões desse processo de multiletramento.

 

Escola de Hackers
E como instrumentalizar de maneira positiva as gerações mais novas para aquilo que será a linguagem deste século? Vivemos no tempo do imediato e da tecnologia. Muitos pais acreditam que seus filhos deixam de fazer as terefas de casa e de estudar, para mexer nos smartphones e jogar online. Algumas escolas já proíbem parcialmente o uso de celulares durante o período de aula. Porém, a tecnologia está diretamente conectada com o futuro destas crianças e jovens.

A não utilização da internet pode ser tão nociva do que utilizá-la de forma incontrolada e abusiva. “Existe sim muito perigo, mas não podemos privar os pequenos. O que devemos fazer é criar situações e oportunidades para que nossas crianças se apropriem da tecnologia de forma consciente. Pensar os instrumentos tecnológicos como um espaço de desenvolvimento pessoal, resolução de problemas e espaço de entretenimento e informação. Por isso, esse é um dos grandes perigos de deixar a tecnologia de lado”, relata o líder do Grupo de Pesquisa em Cultura Digital, Adriano Canabarro Teixeira.

É com essa meta que se criou a Escola de Hackers, há quatro anos. Atualmente, ela oferece oportunidade de aprendizagem na programação de computadores para 86 alunos de seis escolas municipais – Emef Arlindo Luis Osório, Emef Dom José Gomes, Emef Padre José de Anchieta, Emef Leão Nunes de Castro e Emef Professor Arno Otto Kiehl. E se engana quem pensa que os hackers são aquelas pessoas que invadem as contas e cometem crimes na web, estes são chamados de crackers. Os hackers são pessoas curiosas, que possuem um grande domínio técnico em uma determinada área da informática, que gostam de criar situações e resolver problemas.

O objetivo do programa é desenvolver capacidades e habilidades cognitivas, além de ressignificar os laboratórios de informática. Todos eles criam cerca de seis softwares ao ano, e entre os favoritos estão os jogos. Parece uma tarefa difícil começar desde pequeno a programar computadores. Mas dentre os 1.500 alunos já formados pela Escola, notou-se um aumento no desempenho de outras disciplinas durante o processo, como em português, matemática e o aprimoramento do raciocínio lógico. “Para fazer um programa, é necessário saber qual é o problema, decompor e criar hipóteses e soluções, implementar e testar. Trabalhar com o erro é uma oportunidade de aprender e repensar. Isso permite que a criança crie o fundamental para desenvolver novas técnicas em outras áreas também. Além disso, eles amadurecem a visão sobre tecnologia, de que pode ser utilizada para fazer programas, e não apenas usufruir dos programas”, explica Teixeira.

O programa é dividido em quatro frentes. O Berçário de Hackers, que atende crianças dos cinco e seis anos de idade, onde começam a aprender noções básicas de computação. A Escola de Hackers, para alunos do 6º, 7º e 8º ano do ensino fundamental. A Escola de Hackers Avançada, que trabalha com os 10 melhores da Escola de Hackers, e foca no desenvolvimento de habilidades na robótica. E mais recentemente, para pessoas da terceira idade, a Academia White Hat. Para as crianças e adolescentes os encontros ocorrem no turno inverso do colégio, uma vez por semana.
Promovido pela Prefeitura de Passo Fundo com apoio do Grupo de Estudo e Pesquisa em Cultura Digital na Educação da Universidade de Passo Fundo (Gepid/UPF), a Escola de Hackers é ministrada por cinco alunos da Computação. É a Secretaria Municipal de Educação que através de critérios pré-definidos selecionam as escolas participantes em cada ano. “Nós também realizamos uma mediação da melhoria de desempenho e retenção de informação a curto prazo e complexibilidade dos problemas solucionados por essas crianças, e sempre houve melhoria. Não importa se eles chegam ao final, e sim se o progresso agregou alguma coisa para elas”, finaliza Teixeira.

Como presentar as crianças
Um bom presente que podemos dar às crianças é a disposição permanente à escuta do que comunicam por diversas formas. Se dialogar é pensar em voz alta, a intencionalidade interativa há que ser um convite às conversas espontâneas, nas quais elas ouvem, são ouvidas, têm as suas perguntas respondidas e estão a vontade para fazê-las. Estar emocionalmente disponível é pré-condição para estabelecer orientações e limites adequados relacionado as responsabilidades. São também os pais os responsáveis por experiências de movimentos livres, jogos e brincadeiras e interação social. Uma dica para o bom exercício parental: desfrutar tempo com as crianças, sempre.

Origem do Dias das Crianças
Após o Rio de Janeiro ser sede do 3º Congresso Sul-Americano da Criança, em 1923, foi elaborado o Projeto de Lei que estabelecia a data comemorativa no Brasil. O então presidente brasileiro, Arthur Bernardes, por meio do decreto nº 4867, de 5 de novembro de 1924, instituiu 12 de novembro como data oficial para o Dias das Crianças. Mas a tradição dos presentes veio nos anos 60. A marca de brinquedos Estrela criou uma promoção para incentivar a venda da boneca Bebê Robusto. A iniciativa deu certo e, no ano seguinte, a sucedida Semana do Bebê Robusto virou Semana da Criança. Com o aumento das vendas de brinquedos em outubro, todo o comércio começou a divulgar a data.