Drogas e bebidas matam três indígenas por semana

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Lideranças das nações indígenas Guarani, Kaiowá e Terena estiveram nesta segunda-feira (17), em Campo Grande, para solicitar apoio do governo do Estado de Mato Grosso do Sul e do Ministério Público Federal (MPF/MS), no combate à violência nas reservas localizadas na região do Cone Sul (região Sul e Fronteira com o Paraguai).

Os números desolam e crescem a cada ano, em razão da entrada clandestina de bebidas alcoólicas e entorpecentes nas aldeias. O resultado pode ser comprovado nos índices de violência oficiais. Entre os anos de  2012 e 2014, a taxa média no Brasil foi de 29,2 homicídios por 100 mil habitantes.

Em Mato Grosso do Sul, a média foi de 26,1 e nas áreas indígenas o número foi de 55,9. Enquanto isso, os crimes de homicídio envolvendo indígenas é 400% maior que as ocorrências entre não indígenas.

Segundo o cacique da aldeia Bororó, em Dourados, Gaudêncio Benites, a situação é de tristeza e muita insegurança, pois, as comunidades não conseguem suporte, na maioria das vezes.

“Além de não conseguirmos ajuda policial, ainda dizem que fazemos parte de ‘área federal’, para justificar a falta de interesse. Nós, lideranças fazemos papel de segurança, psicológos e assistentes sociais. Por isso, nos reunimos para vir conversar com o governador e o MPF, pois, não estamos pedindo favor, somos cidadãos e temos direito pela constituição brasileira”, desabafa.

Benites conta que recebe pedidos de ajuda de todos os tipos, violência sexual, brigas, mortes e na maioria das vezes, vai de bicicleta da aldeia até a cidade de Dourados para ‘tentar’ conseguir apoio policial. “Não queremos generalizar, pois, alguns policiais nos ajudam muito, mas é muito revoltante ouvir que não tem efetivo, não tem viatura ou ainda, perguntam se já ‘prendemos’ o autor de uma violência ou morte. Se não prendermos, eles (policiais) não querem entrar na comunidade para levar a pessoa”, acrescenta o cacique Bororó.

Para o líder comunitário, Getúlio Juca, que também é conselheiro indígena da nação Guarani, é preciso um olhar mais responsável para os povos indígenas, que somam mais de 40 mil pessoas em Mato Grosso do Sul, de oito etnias diferentes.

“A única alternativa que encontramos foi vir de nossas cidades e contar o que estamos passando. Toda semana, pelo menos três indígenas morrem por brigas motivadas por consumo de alcoól e drogas. Nosso povo é pacífico, o que precisamos evitar é que esses ilícitos entrem nas nossas comunidades’, argumenta.

INTERMEDIAÇÃO

O  procurador do MPF/MS, em Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, lembra que as reservas têm data oficial de fundação em 1917 e 1927, por isso causa estranhamento que o poder público ‘desconheça’ a situação enfrentada nas comunidades indígenas do Estado.

“Medidas urgentes precisam ser tomadas para auxiliar as reservas, com políticas públicas que funcionem atendendo as especificidades dos cidadãos indígenas e não tratando-os de forma diferente. Atender uma denúncia às 23 horas, em uma área sem iluminação e com vegetação não vai coibir o tráfico de drogas, mas, sim fiscalização durante o dia”, pontua.

No período matutino, o grupo de lideranças foi recebido pelo secretário, Eduardo Riedel, que recebeu as solicitações, encaminhadas posteriormente ao governador, Reinaldo Azambuja (PSDB). No entanto, ficou confirmada uma reunião para dia 26 de junho em Dourados, na qual a Secretária Estadual da Igualdade Racial e da Cidadania, Luciana Azambuja, se comprometeu a ir ao encontro das lideranças e ouvir suas reinvindicações.

ABANDONO

Lideranças de Caarapó também participaram da reunião e o representante, vereador Alécio Soares, relatou que se em Dourados o atendimento é deficitário, em Caarapó não existe. “Não existe segurança nenhuma em nossa comunidade e os policiais não atendem chamados de socorro dos indígenas. Somos sete mil moradores considerados ‘invisíveis’ para o restante da população. Porém, quero lembrar que participamos da economia da cidade, somos cidadãos lembrados somente na época das eleições”, reforça.

A situação das mulheres indígenas é duplamente dolorosa, pois, enquanto algumas mães choram a perda dos filhos envolvidos em brigas, as meninas de várias idades correm risco constante de violência sexual. Edite Martins é liderança da etnia Guarani e destaca que busca ajuda em vários setores da sociedade.

“Nós acionamos a Delegacia da Mulher ou então pedimos ajuda nas igrejas ou nas escolas, porque não temos condução para levar as vítimas até um posto de saúde, hospital ou delegacia. Vivemos em estado de cuidados constantes, temos que levar nossas meninas até o ponto de ônibus para irem para escola e estar no local antes que voltem, tudo para evitar que o pior aconteça”, relata.

Representante da nação Kaiowá, Alda Silva, destaca que na reserva aonde mora, o problema da violência contra mulher começa dentro da família.

“Muitas vezes é um padastro, um tio ou primo que comete a violência. Daí levamos a vítima pra receber atendimento e não conseguimos ajuda. Como fica a situação dessa mulher que tem de voltar para casa ferida e conviver com seu agressor”, questiona.

Os jovens das nações Terena e Guarani Kaiowá também participaram da reunião e pediram ajuda para os universitários e estudantes que saem da reserva para estuar na cidade. “Nós acompanhamos nossos líderes e anciãos e observamos a luta incessante deles, que também é nossa. Muitos de nossos jovens vão estudar na cidade e sofrem todo tipo de violência quando voltam tarde da noite da escola e precisam atravessar mato e escuridão para chegar em casa”, finaliza.