Madonna vai do funk ousado ao fado sensato em novo álbum; veja análise

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Madonna ignora limites em “Madame X”, seu 14º disco, com movimentos certeiros e viagens erradas. A artista, que mora desde 2017 em Lisboa, fez da cidade uma base para conexões pela música portuguesa, hispânica, africana, brasileira…

Capa de'Madame X', de Madonna' — Foto: Divulgação

Há faixas longas com mudanças de dinâmicas e versos em português no meio. A agitada cena cultural de Lisboa animou a cantora a tentar todos os gêneros musicais: de fado com mensagem sensata contra a intolerância (“Killers who are partying”) a funk sensual (“Faz gostoso”, com Anitta).

Mesmo ao vestir tudo isso com uma roupagem pop atual, o disco meio esquisito não deve atingir as paradas em cheio. Mas o saldo é positivo e tem potencial para agradar fãs e críticos por verem que a cantora de 60 anos não se acomodou. O disco sai na sexta-feira (14).

‘Medellín’ (com Maluma)

“Tomei uma pílula e tive um sonho / Voltei a ter 17 anos”, canta Madonna. É um reggaeton com produção moderninha. Os vocais dela são sussurrados e com efeitos que lembram Billie Eilish… de 17 anos. Há alguns estereótipos colombianos bobos ou equivocados (“We built a cartel just for love”, “1, 2, cha cha cha”). Mas é divertida e rola química com Maluma.

‘Dark ballet’

Começa com piano, bateria eletrônica e uma melodia característica da Madonna. “As pessoas dizem para eu me calar, porque eu posso me queimar”, ela canta. Depois muda a dinâmica e o piano fica com cara de música europeia de salão – essa deve ter saído das apresentações secretas que ela faz no Tejo Bar, em Lisboa.

‘God control’

Mais piano e voz com efeitos. É muito política, em defesa do controle de armas. O coral infantil é boa sacada – os jovens se destacaram neste movimento anti-armas dos EUA. Cordas sinistras fazem a transição para um hino disco. Aí fica a cara do principal produtor de “Madame X”, o veterano da dance music francesa Mirwais Ahmadzaï.

‘Future’ (com Quavo)

A produção de Diplo e a participação de Quavo, vocalista do Migos, fazia pensar em algo bem diferente, um trap com Madonna. Mas esse é um reggae. “Nem todos estão indo para o futuro / Nem todos estão aprendendo com o passado”, eles repetem. É um exemplo de de ideia ousada, que saiu do esperado, mas com resultado chato…

‘Batuka’

Aqui ela faz a conexão de Lisboa a Cabo Verde, em faixa com a Orquestra de Batukadeiras de Portugal e o músico Dino D’Santiago, portugueses de origem caboverdeana. Mistura o batuku, ritmo tradicional do país africano, com música eletrônica e letra esotérica. Essa é para lotar o palco de dançarinos e percussionistas e realizar o momento pop Cirque du Soleil da turnê.

Madonna coloca os instrumentos e a tristeza do fado português para transmitir uma mensagem sensata contra a intolerância: “Eu vou ser gay se os gays forem queimados… Vou ser a África se a África for fechada (…) Vou ser o Islã se o Islã for odiado”, etc. Tem uma crescente camada eletrônica, como se fosse uma Rosalía em versão fadista. No fim, Madonna lamenta em português:

“O MUNDO É SELVAGEM / O CAMINHO É SOLITÁRIO”

Madonna no teaser do novo disco'Madame X' — Foto: Reprodução/YouTube/Madonna
Madonna no teaser do novo disco ‘Madame X’ — Foto: Reprodução/YouTube/Madonna

‘Crave’ (com Swae Lee)

Aqui entra um par de músicas “tradicionais” para os fãs de pop dos EUA. Essa é um r&b com um cara que está em todas: o “arroz de feat.” Swae Lee, do Rae Sremmurd. Tem dedilhado de violão, batidinha de trap e versos sobre amor intenso e perigoso. Podia ser de Rihanna ou Beyoncé. Bonitinha e ordinária.

‘Crazy’

Começa com acordeon e tem versos em português (“você me põe tão louca…”), mas ainda está no momento anglo-saxônico de “Madame X”. Essa puxa para o soul. Tem coautor especialista em hits: Jason Evigan (“What Lovers Do” e “Girls Like You”, do Maroon 5 e “Heart attack” de Demi Lovato).

‘Come alive’

Essa tem outro expert pop, Jeff Bhasker (parceiro de Kanye West, Fun e Mark Ronson). Mas volta a mistura de batuque africano com eletrônica. A melodia hipnótica repete a expressão do título um milhão de vezes. É um momento espiritual que testa a fé de quem tem menos crença na Madonna.

‘Extreme occident’

É uma música-irmã de “Killers who are partying”. Mas as cordas agora vão para o Oriente Médio, e os comentários políticos são etéreos: “Eu fui para a extrema-direita, fui para a extrema-esquerda, tentei recuperar meu centro de gravidade, mas acho que estou perdida”. Outra música que tem versos em português no final.

Anitta com Madonna — Foto: Reprodução / Instagram
Anitta com Madonna — Foto: Reprodução / Instagram

‘Faz gostoso’ (com Anitta)

Esse é o momento do Brasil. Madonna já curtia funk de Kevinho com as filhas, então é natural que essa viagem passe pelo ritmo brasileiro. “Faz gostoso” era um sucesso em Portugal com a cantora luso-brasileira Blaya, coautora da música. Nesta regravação, a maior parte do tempo tem a mistura das vozes de Anitta e Madonna. A brasileira canta poucos versos sozinha.

“Faz gostoso” tem sido elogiada nas críticas do disco em veículos estrangeiros. Tem uma ótima frase com mistura de línguas (“better throw that cachaça away”). O único erro é a enrolação com um batuque de samba nada a ver e que estica a faixa para mais de quatro minutos. Se os DJs pularem essa parte, tem potencial de tocar bem e animar festas no Brasil e lá fora.

‘Bitch I’m Loca’ (com Maluma)

Segunda e mais fraca faixa com Maluma. Reggaeton com pouco a acrescentar ao disco. A única coisa marcante é a resposta de Madonna a Maluma no final: “Where do you want me to put this?” (onde você quer que coloque isso?), ele pergunta. “Hm, you can put it inside” (Você pode colocar lá dentro), ela responde. Maluma ri.

‘I rise’

Final político que termina a “volta ao mundo” nos EUA mesmo, com seu pop tradicional. É outra composição em parceria com Jason Evigan. Tem um sample de um discurso marcante da ativista pelo controle de armas Emma Gonzáles, sobrevivente do massacre da Stoneman Douglas High School. Madonna parte deste discurso para fazer um final apoteótico exaltando o poder das pessoas jovens – juventude de idade ou de alma.