Parar com o cigarro na pandemia: fumantes e médicos mapeiam estratégias – e obstáculos – para largar o hábito agora

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Para o fumante, o cigarro representa muitas vezes alívio nos momentos de tensão. Assim, o que acontece em tempos de ansiedade ainda maior? Segundo pesquisa recente sobre o tabagismo durante a pandemia, feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um terço dos brasileiros aumentou a carga diária de cigarros.

A pressão dos novos problemas criados pelo coronavírus — as incertezas, o medo e a instabilidade financeira — é motivo suficiente para dificultar ou atrasar o plano de parar de fumar. É mais difícil.

Durante as férias, o advogado Fábio Ferreira conseguiu reduzir a quantidade de cigarros e até deixar de fumar em alguns dias. Isso durou até ele retomar o trabalho.

“Joguei por água abaixo”, conta ele, sobre as tentativas de largar o vício. “Tudo é dentro de casa na pandemia, e o cigarro vira meu melhor amigo.” Segundo Fábio, as demandas chegam em todos os horários e, junto com elas, a ansiedade e o estresse.

José Rodrigues Pereira, pneumologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que essa história se repete no consultório. São pessoas que querem parar de fumar, ou pelo menos reduzir, mas que encontram ainda mais obstáculos durante a pandemia.

“Eu ouço histórias de pessoas que pararam de fumar por conta do medo, porque tem um problema pulmonar relacionado ao cigarro, por medo da Covid. Então, quem está parando de fumar faz por medo de morrer”, explicou.

O especialista esclarece, entretanto, que parar de fumar por medo da Covid-19 é a exceção: a maioria das pessoas passou a fumar mais.

“Toda vez em que existe um quadro de ansiedade ou depressão é muito comum as pessoas terem a válvula de escape no cigarro. O cigarro libera a nicotina e a nicotina libera as substâncias prazerosas”, completou o pneumologista.

Gatilhos e autoconhecimento

 — Foto: G1

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Independentemente de estar em uma pandemia, um passo importante, de acordo com pneumologistas, é identificar os gatilhos que levam ao costume de fumar. Quando você lembra do cigarro? Onde? Qual é a hora do dia?

“E, com isso, tentar mudar determinados condicionamentos que te fazem fumar. Por exemplo, bebida alcoólica. É uma combinação explosiva”, disse Pereira.

Ao identificar o que leva ao hábito, o próximo passo é desvencilhar uma coisa da outra. Gosta de fumar depois do café? Sim. Está muito difícil? Escolha uma mudança que seja mais confortável e que não crie mais ansiedade, principalmente em tempos de coronavírus.

“Não tem sentido você privar a pessoa de tudo. Para o fumante, tudo é cigarro. Como é que você vai privar a pessoa disso tudo? Não existe isso, é uma furada, principalmente agora”, disse Jaqueline Scholz, coordenadora da área de cardiologia do Programa de Tratamento ao Tabagismo do Instituto do Coração, em São Paulo.

Por isso, outro passo importante é o autoconhecimento: quais são os problemas que me levam à fumar? Por que eu fumo? O tratamento contra o cigarro pode envolver o uso de antidepressivos, ou ansiolíticos, e nesta pandemia há uma relação intrinsecamente ligada entre os vícios e a saúde mental.

Geralmente, ocorre uma sequência de fatos: ansiedade ou tristeza que levam a um determinado hábito que leva ao cigarro. Qualquer medida para cortar o ciclo ajuda a reduzir ou a parar de fumar.

Técnica do castigo

Tanto Pereira quanto Scholz defendem que os pacientes tentem ao menos não extrapolar a quantidade média consumida de cigarros. Para ajudar, a cardiologista apresenta a “técnica do castigo” ou “técnica do desconforto”.

O paciente tem o aval para fumar quando quiser, mas o importante é onde irá fumar.

Se estiver em casa, ele deve ficar em pé e ir para um lugar sem nenhum conforto, como ficar parado de frente para uma parede. Se gostar de fumar no carro, só pode acender o cigarro quando parar de dirigir. Segundo Scholz, automaticamente o fumante passa a reduzir o consumo.

A especialista no combate ao tabagismo esclarece, no entanto, que a técnica sozinha não consegue fazer um paciente parar de fumar. Existem fumantes mais “mecânicos”, ligados aos hábitos do dia a dia, mas também existem os dependentes químicos da nicotina.

Por isso, observar o dia a dia ajuda a reduzir em alguns dos casos. Mas às vezes a única forma de resolver é ir atrás do tratamento completo. Isso pode envolver o uso de medicamentos, como adesivos e remédios que ajudam a controlar a fissura.

Em tempos de coronavírus, os médicos defendem uma estratégia de “redução de danos”. O importante é não pirar, não aumentar o carga de cigarros diária.

“Claro que não é igual a parar de fumar. Mas, quando você, como na pandemia, aumenta o consumo 20%, 30%, 40%, você aumenta seu risco cardiovascular. A gente tem várias mortes em domicílio, muita morte súbita em casa, e o cigarro, muitas vezes, está envolvido nisso”.

“Quando você tem uma cota de cigarros que fumava há 20, 30 anos, o seu organismo começa a tentar equilibrar e tem mecanismos de defesa. De repente, você aumenta seu consumo e seu corpo não está preparado, é uma agressão adicional. Boa parte dos quadros cardiovasculares e até pulmonares que a gente vê é porque descompensou por aumento excessivo do consumo”.

Coronavírus e cigarro

Ainda não há um consenso sobre a relação entre cigarro e o Sars CoV-2, mas o pneumologista José Rodrigues Pereira diz que, baseado nas evidências científicas, “o cigarro traz um processo de irritação para os brônquios. Um brônquio inflamado, um brônquio irritado, ele é mais suscetível a infecções virais e bacterianas, como a do coronavírus”.

A cardiologista do Incor diz que é cedo para cravar qual é a influência do cigarro com relação à Covid-19. Segundo Scholz, as novas variantes do vírus passaram a atingir pessoas mais jovens e são elas que têm o costume de fumar mais – os próximos estudos devem confirmar se os fumantes são ou não parte do grupo de risco.

Independentemente disso, os dois afirmam: é possível parar de fumar na pandemia. Seja por medo do vírus, seja por força de vontade. E se não der, a tentativa de não sair do controle já é o suficiente.