Primeiro indígena da Jaguapiru aprovado em medicina se espelhou no pai e quer trabalhar por seu povo

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Filho de pai Kaiowá e mãe Terena, Bernard Ortiz Machado, de 21 anos, é o primeiro indígena da Aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados, a ingressar em um curso de medicina. O estudante foi aprovado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Em contato com a área da saúde desde muito cedo por causa do pai enfermeiro, Bernard disse que foi um trabalho como Jovem Aprendiz no Hospital da Missão Caiuá, em 2016, que o fez decidir por ser médico. Depois disso, vieram longos anos de estudo para concretizar o sonho.

Estudante de escola pública, a Escola Estadual Indígena Guateka Marçal de Souza, o jovem terminou o ensino médio em 2018 e prestou vários vestibulares. Segundo ele, o maior desafio era não desistir após os resultados indesejados.

“É muito frustrante você estar tanto tempo estudando e ficar por pouco nos resultados. Pensei em parar de tentar muitas vezes, quem não me deixou desistir foram meus pais”, se referindo a Cristiane Machado da Silva e Silvio Ortiz.

O novo acadêmico de medicina relata que nos anos de 2018 e 2019 estudava muito, às vezes até 10h por dia, mas a rotina foi afetada em 2020 quando entrou no Exército. Entretanto, ele não desistiu e estudava o que estava ao seu alcance, intensificando nas datas próximas das provas.

Após muitos vestibulares, Bernard foi aprovado no curso de Odontologia da Unicamp e, mesmo não sendo o curso almejado, estava se preparando para ir embora para São Paulo, quando, no dia 24 de junho de 2022, recebeu a notícia de que tinha sido aprovado no vestibular da UFGD.

Animado para a próxima empreitada, o futuro médico diz que não vê a hora de iniciar as matérias e, mesmo sabendo dos desafios que irá enfrentar, quer aproveitar cada momento da vida acadêmica.

Quanto ao preconceito pela cultura, Bernard relata que, apesar de já ter mudado um pouco aceitação do indígena nas universidades, todos eles já crescem vivenciando isso diariamente, mas ele quer ser um ponto de mudança.

“Acredito que estou preparado para ajudar a mudar cada vez mais essa situação, não somente com debates, mas também como o exemplo de que nós podemos sim, sermos indígenas, e também ocupar todos lugares que quisermos dentro da sociedade”, explicou ele.

Quanto aos planos depois de formado, o acadêmico diz que quer atender o seu povo de forma especial, “conhecendo e vivenciando nossas particularidades, sei que posso agregar muito futuramente ao nosso povo que carece de profissionais que entendam nossa cultura”, disse.

Em 2019, Bernard passou no curso de medicina em Brasília, mas por conta da pandemia da Covid-19 e as paralisações das universidades, não conseguiu concretizar o sonho.

Exemplo para a sociedade

Silvio Ortiz, pai de Bernard, trabalha na área da saúde desde 1994 e, atualmente servidor na UPA (Unidade de Pronto Atendimento), conta que esse é um momento de muita alegria, tanto para a família quanto para a comunidade da Aldeia Jaguapiru.

Ele contou que levava o filho para conhecer a rotina dos hospitais em que trabalhava, “ele se simpatizou muito com o trabalho, então acho que isso internalizou no coração dele”. Silvio relata que o filho via a necessidade de um atendimento mais humanizado para os indígenas.

Para o pai, a conquista de Bernard mostra que todo o ser humano precisa de uma oportunidade, “para o contexto da sociedade, que se diz civilizada, nós povos indígenas somos um atraso para o país, nós indígenas somos um empecilho no sentido de não ter progresso, de não ter desenvolvimento”, desabafou.

Ele ainda enfatizou que esse tipo de pensamento distorce a imagem do seu povo, onde muitos, por falta de perspectivas melhores, nem tem sonhos, só vivem o hoje. “Muitos não sabem que a comunidade indígena vive a sua vida peculiar, diferenciada, especifica de um povo diferente”, concluiu Silvio.