Recuperação de áreas atingidas por seca e queimadas na Amazônia pode levar 150 anos

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O avanço da crise climática vem causando pessimismo em especialistas e pesquisadores na Amazônia. Com secas cada vez mais fortes e duradouras, as queimadas e incêndios se tornam cada vez mais recorrentes, dificultando a recuperação das áreas destruídas ou degradadas. O desafio para recompor as florestas é enorme e mesmo com ações em prol da retomada do ambiente natural da região, há chance de alguns danos serem irreversíveis.

Um dos fatores que dificultam o já lento processo de recuperação de florestas é o chamada “paisagem fragmentada” (ou floresta fragmentada). O professor de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador sobre a floresta amazônica, Eraldo Matricardi, explica que o fenômeno trata-se do isolamento de áreas verdes, que ficam muito distantes de outras florestas. Esse efeito causa prejuízos aos chamados serviços ecossistêmicos, como a polinização, por exemplo.

“O tempo de regeneração varia muito. Com boas condições, as florestas mais próximas a outras demoram cerca de 20 a 30 anos para se recuperar. Quando essas áreas verdes são mais afastadas, elas podem demorar por volta de 150 anos para voltar ao ambiente natural”, Eraldo Matricardi, professor da UnB e pesquisador da floresta.

“Conforme a floresta fica mais fragmentada e afastada de outras matas, você dificulta muito mais processos ecológicos de recomposição da área. Todo mundo gosta de água e ar limpo, mas eles vêm de onde? A natureza precisa de um ambiente relativamente equilibrado para ter peixe, os animais, a flora e toda a biodiversidade da região”, acrescentou.

Segundo os especialistas, a Amazônia é um bioma vulnerável ao fogo por ele não ser um componente natural ou comum na região, como é, por exemplo, no Cerrado. Nos primeiros sete meses de 2023, o desmatamento na região amazônica teve queda de 42,5%, se comparado ao mesmo período do ano passado. O estado do Amazonas foi o que registrou a maior redução de janeiro a julho.

No entanto, com a chegada do fenômeno climático El Niño, potencializado pelas mudanças climáticas causadas pelo aquecimento cada vez mais alarmante do planeta, uma seca sem precedentes passou a atingir a região Norte do país. Somado a isso, a diretora-adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Patrícia Pinho, explica que o avanço da atividade humana com o desmatamento, criminoso ou não, cada vez mais próximo das florestas e o uso do fogo em muitas dessas intervenções são fatores que contribuíram para uma situação tão alarmante.

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Vista de comunidade nas marges do Rio Negro: seca | SBT

Desde meados de setembro a paisagem rica em diversidade em cidades como Manaus e demais municípios da região metropolitana da capital deu lugar a um cenário de terra arrasada. O Rio Negro, em Manaus, atingiu, na última 5ª feira (19.out), 13,29 metros, o menor nível em 121 anos desde o início da série história, em 1902. A marca está um metro abaixo do que já seria classificado como “seca extrema” e 34 centímetros menor do que o registrado na grande seca de 2010, outro momento de impactos sérios na região. Os dados são do Serviço Geológico do Brasil (SGB).

Nos municípios banhados pelo Rio Negro, o cenário era de seca com cadáveres de jacarés, peixes e uma série de outros animais nativos da região, como os botos. Segundo informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), mais de 150 carcaças dos golfinhos foram encontradas na região do Lago Tefé (município de Tefé), interior do AM. A temperatura da água no local ultrapassou 39°C.

“A gente sabe que o fogo e o dano que ele causa na paisagem, tal como a seca extrema, são danos de longo prazo para a vegetação se recuperar, mesmo dando as condições ideias de recuperação. Hoje, a gente já tem 20% da Amazônia perdida, por desmatamento, por fatores de crise climática instaurada e afetando com extremos, que vão de inundação até a seca. As chances, a resposta de uma recuperação, de um restauro da biodiversidade, dos solos e da floresta, ele vai ser mais desafiador”, disse a diretora adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Patrícia Pinho.

A diretora do Ipam afirma que 38% do que ainda tem de floresta na Pan Amazônica (que envolve territórios da floresta em outros países) está em estado de degradação por conta do efeito do fogo, efeito de borda (fragmentação do ambiente) e atividade madeireiras ilegais.

Botos são encontrados mortos no Lago Tefé | Miguel Monteiro/Instituto Mamiraua

A situação crítica não afetou somente a saúde dos animais. Ao longo da semana, a capital Manaus foi tomada por fumaça e registrou uma das piores qualidades de ar e de visiblidade do mundo. O caso ocorreu devido a fortes incêndios ocorrido no município de Autazes, na Região Metropolitana. Com o clima de insalubridade, os hospitais da capital registraram aumento de pessoas procuram atendimento por problemas respiratórios e moradores reclamavam de sintomas como sangramento de nariz, dores de cabeça, ardência nos olhos e desconforto na garganta.

O que fazer

Os especialistas em Amazônia e os relatórios de ONGs e institutos que atuam na região mostram um cenário perigoso e desafiador para os próximos anos. Isso porque, além das ações que podem ser feitas pelo governo e pela sociedade brasileira, a preservação das matas depende também de um esforço global para desacelerar as mudanças climáticas.

No entanto, há medidas domésticas que podem ser adotadas para ajudar a reduzir o estrago e construir perspectivas mais otimistas nos próximos anos. Segundo Patrícia Pinho, além da proteção da floresta e do bioma, é preciso olhar para as pessoas que vivem nas florestas, os povos indígenas e as populações tradicionais.

Ela ressalta estudos que para o país e as pessoas crescerem economicamente não é necessário aumentar o processo de desmatamento. “A gente se preocupa muito com a floresta, com a biodiversidade e o papel que ela exerce no clima global e se preocupa muito menos ou quase nada com quem mora da floresta e cuida desse bioma”, defendeu a especialista que ainda mencionou a importância de fortalecer cada vez mais órgãos como o Ibama e o ICMBio para fiscalizar e punir o desmatamento ilegal.

Outras causas

Eraldo Matricardi afirmou que uma ação do governo, não só punitiva, mas também educativa com as comunidades locais, pode ajudar a melhorar a questão do desmatamento e das queimadas. O professor da UnB trouxe, aind,a outra observação, que é a situação econômica do país.

“Do meu ponto de vista, os fatores econômicos globais tornam viáveis os desmatamentos. Quando as pessoas e as empresas estão com uma situação financeira melhor, as tendência é de que aumente o número de construções e outras ações, resultando no aumento de queimadas e destruição das florestas”, afirmou.