Produzir arroz no Paraguai custa a metade do que no Brasil

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Com 350 hectares de arroz cultivados na região de Pelotas, no sul do Estado, o produtor Éverci Perez Lobato pretende colher perto de 9,5 mil quilos por hectare nesta safra – 22% acima da média gaúcha. Mesmo assim, não conseguirá boa rentabilidade, já que gastou cerca de R$ 7,4 mil por hectare para formar a lavoura. Em Vila Oliva, departamento de Ñeembucú, no Paraguai, o também gaúcho Henrique Preussler projeta lucratividade com a colheita de 9 mil quilos por hectare a um custo de cerca de R$ 3,7 mil – exatamente a metade do brasileiro. Se as condições dos países do Mercosul não fossem tão díspares, a história contada por Éverci e tantos outros arrozeiros brasileiros seria bem diferente.

A crise do setor orizícola não é nova, se acumula há anos. A principal causa, segundo produtores e indústrias, é o alto dispêndio para produzir o cereal em terras brasileiras – cerca de 70% cultivado no Estado. As despesas chamam ainda mais atenção quando comparadas à realidade dos países do Mercosul, principalmente o Paraguai, que vem fortalecendo o agronegócio. Lá, a energia custa aproximadamente 40% do valor no Brasil, e o sistema tributário é simplificado e com taxas mais baixas.

Paraguai tornou-se o principal fornecedor externo de arroz. Das 614 mil toneladas importadas pelo Brasil em 2018, 440 mil vieram do país vizinho – mais de 70% (veja ao lado). Se for considerada a base casca, o volume sobe para quase 600 mil toneladas.

– O arroz brasileiro tem produtividade altíssima, mas de que adianta se temos vizinhos que conseguem produzir a um custo muito mais baixo? – indaga Henrique Dornelles, presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado (Federarroz).

Com área plantada de 180 mil hectares e rendimento de 5,5 mil quilos por hectare, 40% menor do que o gaúcho, o Paraguai está ampliando suas exportações. Na atual safra, foram 650 mil toneladas para o Exterior. Quatro anos antes, 371 mil toneladas, conforme dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Presidente da Associação de Produtores de Arroz de Tebycuary, região de Misiones, no sul do Paraguai, Ignacio Heisecke destaca que quase 50% da produção vai para fora do Mercosul.

– Éramos dependentes do Brasil para escoar nossos produtos. Ainda é um mercado interessante para nós, mas nossa meta é atingir 60% de produção para fora do Mercosul. Hoje, já exportamos para 32 países – afirma.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Colheita do arroz teve início na segunda metade de fevereiro no sul do Estado, como em Rio GrandeMateus Bruxel / Agencia RBS

Produtor e também diretor da indústria de arroz AgroAlianza, Heisecke integra grupo que está se organizando para criar a Federação das Associações de Produtores de Arroz do Paraguai. Já são cinco associações, com 250 produtores, entre os quais 10 brasileiros e 20 uruguaios, que ocupam lavouras paraguaias atrás das vantagens no país vizinho.

A falta de equivalência com os países do Mercosul é uma das principais reclamações do setor produtivo, que se queixa também da diferença de tributação entre os produtos. Enquanto o arroz gaúcho paga de 4% a 7% de ICMS quando é vendido para fora do Estado, o produto paraguaio entra no país com tributação de 4% – recebendo inclusive isenção em alguns Estados brasileiros.

– Precisamos arrumar nossa casa, com reforma tributária e simetrias com o Mercosul que deem condições de igualdade de competição – indica Guinter Frantz, presidente do Instituto Rio-Grandense do Arroz (Irga).

A equalização tributária entre os países do Mercosul e a facilidade para adquirir insumos onde for mais vantajoso financeiramente é também defendida pela Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz).

– A única solução é a liberação de fronteiras. Quando os produtores tiverem liberdade de escolher onde comprar insumos, será possível atacar os custos dentro da porteira – afirma Elton Doeller, presidente da entidade.

Hoje, os produtores do Mercosul não conseguem atravessar as fronteiras e comprar agroquímicos ou máquinas sem a incidência de tributos de importação. Além disso, os países e os próprios Estados brasileiros têm impostos distintos para o mesmo produto.

– O arroz faz parte da cesta básica e deveria ter a mesma alíquota entre os países que têm mercado comum, como o Mercosul. A origem da crise não vem do Paraguai, mas sim do Brasil, que não consegue resolver sua guerra fiscal e seus altos custos – afirma Doeller.

Desestímulo reduz área no Brasil

Produtor de arroz há mais de 20 anos no sul do Estado, Éverci Perez Lobato, 54 anos, diminuiu pela metade a área cultivada na última década – abrindo espaço para a soja. O desestímulo é resultado da baixa rentabilidade da cultura, com altos custos de produção diante do preço de venda.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Éverci Perez Lobato lamenta que preço do produto não acompanha custoMateus Bruxel / Agencia RBS

– Já passamos por algumas crises no passado. Mas essa é mais grave porque é cíclica, vem se acumulando nos últimos anos – justifica o produtor, que cultiva 350 hectares em área 100% arrendada em Capão do Leão, na região de Pelotas.

Nesta safra, o produtor gastou em média R$ 7,4 mil por hectare na formação da lavoura. O maior desembolso foi na adubação, com custo de R$ 1.034 para compra de fertilizantes. A mão de obra, com encargos trabalhistas e sociais de 10 funcionários, resulta em um dispêndio de outros R$ 1 mil por hectare.

– Vemos os nossos custos aumentarem todos os anos, alcançando patamares históricos. Ao mesmo tempo, o preço de venda não acompanha essa evolução – explica o agricultor.

Com a propriedade distante cerca de cem quilômetros do Uruguai, o produtor vê herbicidas idênticos aos usados por ele na lavoura gaúcha sendo vendidos pela metade do preço do outro lado da fronteira.

– Temos um mercado totalmente aberto para entrada do arroz e totalmente fechado para compra de insumos. Não faz sentido, isso tira a nossa competitividade – reclama.

A situação de Lobato só não é pior porque alcança alta produtividade, próxima de 9,5 mil quilos por hectare. Com rendimento 20% acima da média estadual, consegue minimizar os altos custos de produção – que chegam a 9,2 mil sacas por hectare. O alívio vem também do gasto menor com energia, já que usa irrigação por gravidade e não por bombeamento elétrico – diferentemente da maioria dos arrozeiros. Outro fator positivo é o lucro dos 500 hectares cultivados com soja.

– Hoje, pago minhas contas e o endividamento do arroz com o dinheiro que tiro da soja – conta o produtor.

Atraídos pelas vantagens do Paraguai

Arquivo pessoal / divulgação
Tributação do país vizinho é principal vantagem, diz Henrique PreusslerArquivo pessoal / divulgação

Antes de deixar o Brasil, Henrique Preussler produziu arroz em Uruguaiana por 12 anos. Com lavoura de 200 hectares localizada próximo ao Rio Quaraí, chegou a colher até 10 mil quilos por hectare, quase 30% acima da média do Estado.

– Quando não tinha seca, era uma maravilha – lembra.

Apesar das boas safras, o lucro era pequeno – história conhecida entre os produtores gaúchos. Foi o famoso “custo Brasil” que levou Preussler ao Paraguai há três anos. Hoje, o agricultor de 47 anos mora com a mulher e os dois filhos em Vila Oliva, no departamento de Ñeembucú.

Não são poucos os atrativos que o levaram a fazer as malas. A questão tributária é a primeira a ser citada pelo produtor. Há 5% do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – isentado para quem exporta –, 10% do Imposto de Renda das Atividades Agropecuárias (Iragro) e 16,5% de encargo trabalhista para o seguro social.

Em defensivos, importados da China em sua maior parte, o produtor gaúcho diz gastar até 40% menos do que gastava em Uruguaiana. Outra vantagem: em terras arrendadas, como é o caso dele, paga-se de 16 a 20 sacas de arroz por hectare no Paraguai, segundo Preussler. Em Uruguaiana, são cerca de 30.

Preussler já colheu três safras na lavoura de 450 hectares. No último ciclo, foram 6.250 quilos por hectare. Embora acima da média paraguaia, sua produtividade foi prejudicada por um problema em um motor de irrigação. Para a atual safra, pretende chegar a 9 mil quilos.Ele destaca ainda as vantagens de áreas muito planas e o clima favorável.

– Quando chove, chego a ficar uma semana sem precisar irrigar – conta, acrescentando que um dos seus maiores gastos hoje é com o óleo diesel para o bombeamento da irrigação, já que não usa energia elétrica.

Com tantas vantagens, a única saudade que sente da campanha é o churrasco de domingo com os amigos.

– Estou muito satisfeito. É um novo começo, com oportunidade para crescer, diferente do Brasil.

* Colaborou Marcela Don