Terror ianomâmi: garimpo toma postos de saúde para armazenar máquinas e gasolina

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RIO – Postos de saúde foram dominados por garimpeiros nas regiões de Homoxi, Arathau, Parafuri e Kayanaú para serem usados como depósitos, informa relatório divulgado nesta segunda-feira pela Hutukara Associação Yanomami.

Ianomâmi: Garimpo ilegal cresce 46% na maior destruição em 30 anos de  demarcação - Jornal O Globo

A destruição provocada pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Ianomâmi cresceu 46% de 2020 para 2021, o que significou um incremento de 1.038 hectares, levando a um total acumulado de mais de 3 mil hectares devastados, a maior taxa anual desde a demarcação da área, em 1992, diz o relatório.

O documento informa ainda que em Homoxi, o posto que em 2020 fez cerca de 6 mil atendimentos não chegou a 1 mil consultas no ano seguinte e hoje é um galpão de material de extração de minério e combustível dos invasores.

O GLOBO apurou que indígenas foram aliciados em troca de espingardas, cachaça, drogas, celulares e gramas de ouro em Homoxi. Os aliciados impedem pousos e decolagens não autorizadas pelos invasores. Em julho do ano passado, um ianomâmi morreu ao ser atropelado por um avião do garimpo na pista de pouso.

— Toda vez que tentamos pousar, não autorizam. Colocam saco de pedra no meio da pista. — afirma o presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna, Júnior Hekurari Yanomami, que estima haver entre 80 e 100 pousos e decolagens de aviões do garimpo por dia na pista da região Homoxi.

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O procurador do Ministério Público Federal, Alisson Marugal, confirma que já passou dificuldades na tentativa de pousar na pista.

— Não conseguimos por questão de segurança. E nem mesmo passar muito tempo sobrevoando o garimpo — relatou.

O Ministério Público recebeu denúncias de que garimpeiros em Homoxi teriam subornado agentes de saúde para desviar vacinas contra a Covid-19. Os procuradores vão investigar relatos publicados pelo GLOBO no domingo de assédio e abuso sexual de mulheres e crianças em Kanayú.

— Adolescentes e jovens são aliciados com facilidade. Eles ficam bêbados e ameaçam os profissionais de saúde. Várias vezes eu fui ou mandei outros profissionais para reformar o posto, mas é muito difícil — diz Hekurari.

De acordo com o relatório, há 12 pistas a serviço do garimpo na região da comunidade Kanayú. Nas fazendas do entorno, foram identificadas outras 40.

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O Ministério da Saúde informou que prossegue com o atendimento na comunidade Homoxi, com o envio regular de profissionais. A pasta informou que o posto de Kanayú “está em processo de reabertura com fixação de equipe multidisciplinar de saúde indígena” até a segunda quinzena de abril.

Mas segundo depoimentos dos ianomâmis no relatório, faltam médicos, equipamentos e remédios no sistema de saúde que atende as comunidades, mesmo onde os postos não foram tomados pelo garimpo. Em relação à malária, registros locais mostram uma explosão de diagnósticos em cinco anos. Em 2020, foram notificados 1,8 mil casos na comunidade de Palimiu, onde vivem cerca de 900 pessoas.

‘Caos sanitário’

Para Paulo Basta, médico da Fiocruz e um dos colaboradores na pesquisa, há um “caos sanitário” na região.

— A malária é endêmica nas regiões da Amazônia Legal. Com o garimpo, o número de casos disparou durante a pandemia — afirma.

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A mineração ilegal facilita a proliferação de mosquitos que transportam o protozário causador da malária. Com o desmatamento, os insetos ficam mais próximos às comunidades indígenas. Debilitados, os indígenas não conseguem caçar ou trabalhar na agricultura.

A comunidade Arathau, com o crescimento de 1.127% de 2018 a 2020 de casos de malária, tem a maior taxa de desnutrição infantil da terra indígena. Cerca de 80% das crianças de até cinco anos têm peso baixo ou muto baixo.

Basta lembra que o garimpo afasta animais caçados pelos indígenas:

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— A falta de comida faz com que eles sejam aliciados pelos garimpeiros. As mulheres passam a ser exploradas e a ter relações com eles por comida industrializada. Essa situação faz surgir quadros de saúde antes desconhecidos entre os indígenas, como a anemia, a obesidade e sobrepeso, pressão alta e diabetes.

O mercúrio usado na mineração é absorvido pelos peixes comidos pelos indígenas, afetando o sistema nervoso central, o que resulta em enfraquecimento, alterações visuais, zumbido no ouvido, gosto de metal na boca e, em casos mais graves, convulsões, perda de memória e deficiência nos rins, enumera o médico.