‘Um início de governo cauteloso, é a palavra que eu usaria neste processo inicial’, diz Riedel

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Conhecido por onde passou como um gestor que alcança os resultados a que se propõe, Eduardo Riedel (PSDB) assume neste dia 1º de janeiro de 2023 o maior desafio de sua carreira, o de governar Mato Grosso do Sul.

Administrar o Estado também será a incumbência de seu primeiro mandato eletivo. Sucessor de seu correligionário Reinaldo Azambuja, Riedel integrou o primeiro escalão do governo durante quase oito anos.

Eduardo Riedel venceu a primeira eleição da qual participou e chega para atender aos anseios de uma frente de centro-direita, mas que se ampliou à esquerda depois de uma disputa duríssima com Capitão Contar (PRTB) no segundo turno.

Riedel sabe que os desafios serão muitos e que começarão logo depois da posse.

A “conta” das bondades fiscais feitas pelo Congresso Nacional e pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no início de 2022 vai chegar agora, em 2023, e, com ela, vários compromissos assumidos durante a campanha, como melhorias salariais para servidores e manutenção e ampliação de programas sociais, além de investimentos em infraestrutura.

“É um início de governo cauteloso, essa é a palavra que eu usaria neste processo inicial”, diz Eduardo Riedel, em entrevista exclusiva ao Correio do Estado.

Confira o que o novo governador de Mato Grosso do Sul pelos próximos quatro anos tem a dizer à população.

Quais serão os primeiros desafios de sua administração, que começa neste dia 1º de janeiro?

Uma coisa positiva é que os programas de investimento da gestão atual não sofrerão descontinuidade. A prefeita de Campo Grande [Adriane Lopes, do Patriota], por exemplo, assinou um convênio com o governo para repasse de recursos para obras.

Por isso, não teremos nenhum prejuízo no que diz respeito à continuidade dos programas. Mas o ano será de mudança no governo federal, e isso certamente traz mudanças das políticas públicas. Não estou dizendo que a mudança dessas políticas é bom ou ruim.

O que estou dizendo é que a gente vai ter de se ajustar.

E há também a questão fiscal. A gente terá um ano para entender os impactos, os aumentos dos custos. Existe uma conjuntura sobre a qual a gente vai ter de se debruçar muito para entender o ano de 2023.
O senhor já adiantou, então, que o grande desafio será a gestão fiscal. Como ficará a questão dos tributos sobre os combustíveis, que foram reduzidos em 2022?

A grande questão é que nós estamos passando por uma mudança de regramento. Não é uma questão de manter uma alíquota de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] ou não manter. O STF [Supremo Tribunal Federal] está decidindo.

Na verdade, estamos em uma reforma fiscal meio às avessas. O novo ministro da Economia, [Fernando] Haddad, disse que a prioridade dele é a reforma fiscal e, por isso, trouxe o Bernard Appy [autor do projeto de reforma tributária que está mais avançado no Congresso Nacional].

Isso é ótimo! E você viu o tanto que eu falei sobre isso na campanha. Só que a partir da decisão do presidente [Jair] Bolsonaro de diminuir, lá em abril, as alíquotas dos impostos dos combustíveis na caneta, isso trouxe impacto – e grande.

Mas aí podemos pensar: “Vamos segurar as alíquotas?”. Só que o Supremo está votando alterações nesse processo. Por exemplo: a alíquota modal brasileira é de 17%, a do diesel em Mato Grosso do Sul é de 12%.

E, de repente, vem uma decisão de que vai ter de ser nivelado para todo o Brasil: então, a alíquota do diesel iria para 15% ou 16%. Essa é uma decisão judicial que está posta.

A base de cálculo foi imposta pelo Supremo. A gente estava decidido a segurar pela média dos cinco anos.

Agora, eles voltaram atrás e farão as médias para os estados. Ou seja: a Justiça está decidindo, em parte, a reforma fiscal.

Está longe de ser uma reforma tributária, mas o STF está nivelando uma série de condicionantes. Então, nós temos de entender bem tudo isso, até porque não está tudo julgado. O Judiciário está em recesso, mas há embargos de declaração que o próprio Estado enviou.

Tem discussão para sair agora. O mês de janeiro é um mês de muito acompanhamento, de muita discussão para a gente poder entender o ano de 2023, e esta é a preocupação inicial. O que eu não abro mão é da responsabilidade fiscal.

Com essa política fiscal atual, a gente suporta os programas? Não. Então, do que a gente vai abrir mão em 2023? Teremos de tomar uma decisão.

E sobre decisões recentes que já aumentaram o salário da elite do funcionalismo público para o teto do Supremo Tribunal Federal (até R$ 46 mil) e também o compromisso de equiparar o salário dos professores concursados e convocados, como fica tudo isso com os desafios fiscais?

Vejo isso com tranquilidade. A gente tem de fazer um bom planejamento. A partir do momento em que a gente tem a regra definida, vamos sentar com as categorias, como sempre fizemos, e avaliar o que é possível fazer.

Temos uma diretriz a ser tomada: igualar salário de professor convocado com o de professor estatutário.

Então, dentro do orçamento, como a gente pode fazer isso nos próximos anos? É esse planejamento que vamos fazer a partir do momento em que tivermos esse regramento definido.

É difícil dizer agora, porque a gente passou uma eleição com muitas pendências judiciais, frutos da medida do governo federal que alterou o ICMS, e ninguém altera ICMS de cima para baixo. Isso teve uma série de consequências jurídicas que agora estão sendo decididas pelo Supremo.

Então, a gente tem de ter cautela no mês de janeiro e fevereiro para entender como a gente pode assumir os compromissos colocados dentro desse regramento fiscal. É um início de governo cauteloso, essa é a palavra que eu usaria neste processo inicial.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que chamaria os governadores para elencar quais as obras fundamentais em cada estado. Ele já fez algum contato nesse sentido? Quais seriam as obras?

Ele disse isso no debate. Ainda não sei se teremos uma reunião sobre isso. A única reunião que tivemos com o presidente Lula foi uma videoconferência organizada pelo Fórum de Governadores, tratando justamente das questões fiscais que falei.

Com o presidente, nós não tivemos nenhuma reunião. Ele avisou que vai chamar os governadores em janeiro para uma conversa, e nós, inclusive, temos de levar nossa preocupação em relação a esses regramentos que estão colocados.

E ele mencionou, que eu saiba, no debate, que ele ia solicitar que cada estado indicasse três obras prioritárias. Mas nós temos de aguardar para saber se é obra federal ou estadual, se é obra de habitação, infraestrutura, rodovia ou ferrovia.

Nós temos de entender, porque não temos nada colocado de maneira concreta. Essa é uma fala dele de campanha. Então, temos de aguardar para ver como o presidente vai conduzir isso.
E qual a expectativa em termos de relação institucional com o governo federal? Como têm sido os contatos?

Positivos, agora que ele [Lula] já definiu o Ministério. A gente tem uma tranquilidade muito grande em saber que nós vamos nos relacionar institucionalmente de maneira muito positiva, sem nenhum problema, em todas as áreas que eles estão dizendo atuar.

A gente discutiu muito [a questão da] habitação. O governo federal tem dito que vai retomar um programa robusto de habitação: isso é fundamental para o Estado.

Nós temos projeto, estrutura e equipe para poder fazer esse relacionamento com a nossa bancada federal.

Temos as nossas emendas parlamentares, nós temos destinos para poder alavancar investimentos no Estado.

Existem alguns investimentos federais aqui que são prioritários: a BR-419, a BR-163, a BR-262 e a BR-267, são investimentos federais importantíssimos.

O programa de parceria público-privada do governo federal tem de abarcar essas rodovias, ferrovias. Então, a gente tem colocado uma série de iniciativas que farão parte desse relacionamento entre Estado e União. Não tenho dúvida disso.

Você falou de obras importantes. Como fazer para destravar os gargalos logísticos do Estado, que não avançaram durante os dois anos finais do governo Bolsonaro?

É fundamental destravar projetos fundamentais, como a Malha Oeste e a BR-163, entre outros. O governo federal tem de assumir essa discussão. Você vê que a política é dinâmica, que as coisas são dinâmicas. Há 15 anos, se você pegasse e falasse de parcerias público-privadas, parecia que você estava falando de um bicho de sete cabeças.

O PT, que está assumindo agora, tinha uma relutância. E hoje todos concordam que não tem nada demais em atrair capital privado para o que o Estado não está conseguindo fazer. Hoje já pulamos essa fase, e discutir as parcerias já não faz mais sentido.

Não tem governo de esquerda ou de direita que não vá atrair capital privado para bons projetos de infraestrutura.

Então, acredito que o governo federal vá fazer isso. E tem de fazer, senão, limita o nosso crescimento. A falta de infraestrutura limita o crescimento do Brasil, é tão simples quanto isso.

Então, não adianta falar “o Brasil vai crescer”. É preciso desamarrar as âncoras democráticas e tributárias que atrapalham o ambiente de negócios. Isso é fato. E a infraestrutura é uma dessas âncoras.

Você sempre declarou apoio a Jair Bolsonaro durante os dois turnos da campanha, mas, no segundo turno, contra Capitão Contar, os eleitores de centro e de esquerda se aproximaram mais de sua candidatura. Como será o desafio de colocar muitos sul-mato-grossenses dentro de uma mesma estrutura de governo e de um mandato com o mesmo propósito?

Eu acho que a gente tem obrigação de fazer isso. E aí você usou a palavra que define o porquê de nós devermos fazer isso, que é propósito.

Se a gente ficar discutindo radicalismos, a gente não vai para lugar nenhum. Mas, se a gente discutir política pública e propósito, a gente consegue reunir pessoas com pensamentos distintos em torno de causas comuns.

Eu consigo colocar bolsonaristas e lulistas em torno de uma agenda para levar tecnologia para a agricultura familiar, por exemplo. Mas esse propósito é de quem? É da sociedade.

Programas sociais e necessidade de qualificação para gerar emprego são da direita ou da esquerda? É do lulismo ou do bolsonarismo? É proposta da sociedade!

Então, fica essa discussão de cargo no governo e quem está indicando, se é o PT, o PP ou o PL. Nós temos de ter pessoas capazes de conduzir política pública para conseguir resultado, e o resultado atende à agenda de um espectro muito grande da sociedade.

Por isso que nós temos de baixar a temperatura. Então, a gente está perdendo energia, fazendo um esforço gigantesco em torno de nada.

Eu vi um depoimento de um artista da novela “Pantanal”, em um programa de auditório, de seis minutos, sobre o tanto que ele foi xingado por um lado e pelo outro lado. E ele desabafou o quanto está difícil viver neste ambiente.

Você não pode ser o Eduardo com suas crenças: ou você é comunista, ou você é bolsonarista. Qual é a agenda de um ou de outro? Isso eu não aceito.

Eu acho que a gente tem de discutir política pública em ambiente de desenvolvimento, de inclusão social. Eu vou bater nisso, porque eu não aceito ser tachado de a, b, c ou d. Eu não abro mão das minhas convicções.

Respeito [os posicionamentos], acho importante, sei que diferença faz parte, ela é natural, e vamos fazer isso, respeitar sem ficar carimbando as pessoas.

É Mato Grosso do Sul que está dando uma mensagem política. E eu vou insistir nisso.
Você teve uma participação ativa nos dois mandatos de Reinaldo Azambuja (PSDB), em que você foi secretário de Governo e Gestão Estratégica e de Infraestrutura. Mas o que você acha que será diferente? Vai mudar alguma coisa do Eduardo Riedel secretário para o Eduardo Riedel governador?

Muda, né? Acho que muda o peso aqui em cima [apontando para os ombros]. Como secretário, sempre fui muito responsável em minhas atividades, mas como governador recai sobre a gente a política.

Além da gestão, o bônus e o ônus político das consequências da ação recai sobre o governador, não recai sobre os secretários.

Muda essa responsabilidade, a do peso político, para o bem e para o mal, porque 812 mil votos acabam trazendo um grau e uma percepção em relação a seu compromisso com o Estado um degrau acima, e aí a responsabilidade sobre as áreas não se pode terceirizar, o que é muito comum na política.

Isso passa a ser um problema seu. E não tem como mudar isso, é algo que carregamos conosco.

Perfil: Eduardo Corrêa Riedel – Eduardo Corrêa Riedel, 53 anos, formou-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Fundação Getúlio Vargas e no Instituto Europeu de Administração de Empresas.

Entre 2015 e 2022, foi secretário de Estado de Governo e Gestão Estratégica e de Infraestrutura. Foi presidente da Famasul, diretor da CNA e presidente do Sindicato Rural de Maracaju.