A queda de Jairinho após cinco mandatos: sob acusação de homicídio, político é cassado por unanimidade na Câmara de Vereadores

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RIO — Primogênito de um casal de dona de casa e coronel da Polícia Militar e deputado estadual, Jairo Souza Santos Júnior cresceu nas ruas de Bangu, onde sua família mantém a casa de dois andares com piscina e churrasqueira e estabeleceu seu reduto político. Em 2004, aos 27 anos, herdando os passos eleitorais do pai, participou da primeira campanha e foi o vereador mais votado do Partido Social Cristão (PSC).

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Jairinho, preso desde o dia 8 de abril, foi cassado por quebra de decoro parlamentar. O agora ex-vereador é acusado de torturar e matar o enteado, Henry Borel, de apenas 4 anos, no apartamento onde vivia com a mãe da criança, Monique Medeiros — também presa pelo crime — na Barra da Tijuca. Jarinho também perdeu os direitos políticos por oito anos.

Uma das estratégias escolhidas pela defesa do vereador Dr. Jairinho (sem partido) em suas alegações finais para tentar convencer a Comissão de Ética da Câmara, além do foco num perfil definido no documento como “caridoso e carismático que formou uma legião de amigos e admiradores na Casa”, foi a anexação de fotos onde, em algumas delas, o parlamentar aparece ao lado de outras figuras políticas. Numa das imagens anexadas, Jairinho aparece ao lado do presidente da Câmara, vereador Carlo Caiado (DEM), e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente Jair Bolsonaro, em plenário. A iniciativa não foi bem digerida por alguns dos componentes da Comissão, que enxergaram, sobretudo, como uma tentativa de intimidação.

Jairinho anexou foto ao lado de Carlo Caiado e Carlos Bolsonaro em alegações finais enviadas à Comissão de Ética da Câmara
Jairinho anexou foto ao lado de Carlo Caiado e Carlos Bolsonaro em alegações finais enviadas à Comissão de Ética da Câmara Foto: Reprodução

O ano foi o mesmo da sua formatura como médico, na unidade da Unigranrio de Duque de Caxias. O aluno, com CR 7,4, tem fama no campus de ser um homem inteligente, bem articulado e gentil — a mesma que lhe fez continuar na Câmara por outros três mandados consecutivos, se tornar líder do governo na gestão de Marcelo Crivella e ainda trabalhar a favor da vitoriosa candidatura de Eduardo Paes, em 2020.

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Em relação à Medicina, Jairinho fez questão de constar nas primeiras linhas de seu depoimento na 16ª DP (Barra da Tijuca), em 17 de março, na condição de testemunha da morte de seu enteado, Henry Borel Medeiros, nove dias antes, que nunca exercera a profissão. Ao relatar que, após encontrar com a namorada, a professora Monique Medeiros da Costa e Silva de Almeida, o filho dela caído no quarto com mãos e pés gelados e olhos arregalados, negou ter feito qualquer manobra de reanimação por falta de experiência. E contou que a última vez que realizara massagem cardíaca foi em um boneco, durante as aulas do curso de graduação.

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A atuação parlamentar

Já no ofício parlamentar, muitos dos projetos de sua autoria e coautoria estão justamente ligados ao bairro de seu nascimento na Zona Oeste. É dele o texto que defende o tombamento da sede do Céres Futebol Clube, time de Bangu que disputa divisões inferiores do futebol carioca e cujo presidente é Jairo Souza Santos, o coronel Jairo, pai de Dr. Jairinho. É dele também a concessão do benefício de licença maternidade e paternidade para servidores públicos que adotem crianças e a suspensão da aprovação automática na rede municipal de ensino.

“O foco de seu mandato está na restituição da dignidade ao cidadão pelo atendimento do poder público no quesito saúde, sem deixar de pensar na educação dos jovens. De espírito empreendedor, apoia as iniciativas que buscam a melhoria da qualidade de vida da população”, diz o seu perfil no site da Câmara.

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Durante a defesa no processo de cassação, o advogado Berilo Martins da Silva Neto afirmou no plenário da Câmara que Jairinho ainda possui “crédito” com a população de Bangu e Realengo — sua base eleitoral— e na região há quem ainda use os materiais de campanha do vereador.

Apesar de o texto informar que ele vivia em Bangu, o vereador morou em apartamentos de pelo menos dois condomínios na Barra da Tijuca na última década. Com a ex-mulher, a dentista Ana Carolina Ferreira Netto, mãe de dois de seus três filhos, dividiu uma cobertura no Le Park. Em novembro passado, mudou-se com Monique e Henry para uma unidade do Majestic, no Cidade Jardim.

Após a morte do menino, porém, contou na delegacia ter voltado para a casa dos pais e da irmã, sua fiel escudeira nas campanhas políticas. Foi lá que foram apreendidos cinco telefones celulares e um laptop na manhã de 26 de março.

Outras acusações

Já após a prisão de Jairinho pela morte de Henry, o Ministério Público começou a investigar outras denúncias de agressão de ele é acusado. No fim de junho, Jairinho foi denunciado por tortura contra o filho de uma de suas ex-namoradas, a estudante Débora de Mello Saraiva. O documento aponta que ele submeteu o menino, de 2 anos à época, com emprego de violência, a “intenso e desnecessário sofrimento físico e mental, como forma de aplicar-lhe castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. A decretação de uma nova prisão preventiva pelo crime contra o parlamentar, que já está preso pelo homicídio triplamente qualificado de Henry, também foi pedida.

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Em abril, o vereador havia sido denunciado também pelo Ministério Público por tortura em outro caso. Segundo a denúncia, entre os anos de 2011 e 2012, submeteu uma menina, então com 4 anos, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de castigo pessoal.

De acordo com o Ministério Público Federal, ele era suspeito de participação no ‘mensalinho’ da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), um esquema que movimentou R$ 54 milhões em pagamentos para que deputados votassem com o governo. A organização criminosa, que seria chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral, dava propina aos parlamentares para que patrocinassem interesses do grupo, que ainda oferecia o loteamento de cargos em diversos órgãos públicos do estado, como o Detran, onde poderiam alocar mão de obra comissionada ou terceirizada.