Corumbá perdeu o maior número em superfície de água do país

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A maior planície alagada do mundo está secando: em 37 anos, o Pantanal perdeu 81,7% da superfície de água, o bioma que mais sofreu redução do Brasil. O solo pantaneiro em Mato Grosso do Sul é um dos mais ameaçados, a retração de água foi tamanha (57%), que Corumbá liderou o ranking dos municípios que mais secaram nas últimas três décadas.

Os dados são do MapBiomas Água, iniciativa multi-institucional que envolve universidades, ONGs (Organização não governamental) e empresas de tecnologia, focado na conservação e manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas.

Depois de Corumbá, os municípios com maiores percentuais de redução de água entre 1985 e 2022 foram Cáceres (MT), Poconé (MT), Aquidauana (MS) e Vila Bela da Santíssima Trindade (MT).

Em 2022, a superfície de água anual do Pantanal aumentou pela primeira vez desde 2018. Contudo, a especialista em conservação do WWF-Brasil (World Wide Fund for Nature), Helga Correa, explicou ao Campo Grande News que o bioma ainda passa por um período seco, porque a diferença da superfície de água com a média da série histórica é de 60,1%.

“Existe uma tendência concentrada de redução de água no Pantanal, foi o bioma brasileiro que mais perdeu quantidade de água. Apesar do ano passado ter tido um alívio, não significa que a situação esteja boa. Fazendo uma analogia a a temperatura de uma febre por exemplo, onde a média seria 36 ºC, e o Pantanal em 2021 chegou nos 40ºC, e em 2022, pode considerar que a febre chegou aos 39,5ºC. Então continua menor que a série histórica”, apontou.

Esta tendência na redução da água pantaneira representa perigo não só a flora da região, como a fauna e o modo de vida das comunidades tradicionais locais. Os peixes que já estão ameaçados de extinção, como o pacu, jaú e pintado, podem desaparecer a longo prazo, assim como o maior mamífero da América Latina e um dos maiores símbolos do Pantanal, a onça pintada.

“A existência do pantanal como a gente conhece, com sua biodiversidade, com as comunidades tradicionais, ela está intimamente conectada com a presença da abundância de água. É fundamental para o modo de vida pantaneiro, fundamental para espécies que dependem desse alagamento para poder se reproduzir. Pensa quanto o Pantanal recebe de visitas anualmente por conta do ecoturismo, da pesca esportiva. A atividade agrícola e industrial também fica comprometida com restrição de água. Então a tendência de redução de água acende um alerta que chama para nossa ação”, alertou Helga.

Entre os principais causadores da seca crescente, está o desmatamento. Helga explica que a área desmatada ao redor das nascentes e ao longo dos rios contribui para a questão do assoreamento e na qualidade da água no geral.

Em uma área desmatada, a água pluvial passa muito rápido pela vegetação e causa as enchentes, principalmente nas nascentes. Helga explica que eventos climáticos extremos, de muitas chuvas, estão previstos dentro das mudanças climáticas, mas o desmatamento faz com que as enchentes cheguem em um nível que o solo não é capaz de suportar.

“Então tem inundações rápidas, num período que não está preparado para enfrentar. Mas isso não significa que ao longo do ano vão ter mais águas, é um volume concentrado em enchente. Então logo após um período de enchente, pode ocorrer uma seca”, ressaltou.

A consequência iminente da seca no Pantanal é justamente a aceleração das mudanças climáticas, gerando um ciclo degenerativo que precisa ser interrompido.

“Importante ressaltar que também cada vez que o pantanal fica mais seco, ele fica mais suscetível às queimadas, eventos que colaboram com a emissão de gases do efeito estufa, que vão alimentar a aceleração das mudanças climáticas. A questão da água no Pantanal movimenta um mecanismo que se a gente não fizer nada para modificar, a tendência é que a gente tenha cada vez mais o agravamento da redução de água, que colabora para as consequências das mudanças climáticas”, salientou a Helga.

Para conter este quadro, a especialista em conservação reitera a manutenção das florestas nativas e interrupção imediata do desmatamento. Além de restaurar as regiões que já foram degradadas.

“Não é uma situação fácil, de imediato a gente pensa que essa questão do desmatamento é fundamental e eliminar o desmatamento não só do Pantanal. Restaurar aquilo que já foi desmatado em áreas de quantidade de água é uma estratégia que também permite que a gente melhore a situação”, disse.

“Como a gente vai explicar para as gerações futuras que o maior felino da América do Sul desapareceu da área do Pantanal? Como a gente deixou que uma das maiores planícies inundáveis do mundo fosse degradada? Acho que é injustificável, a ação depende da gente saber quão grave está esse cenário”, completou Helga.

Brasil – De acordo com o MapBiomas Água, o ano passado foi o primeiro, desde 2013, em que a superfície de água no Brasil ultrapassou a barreira dos 16 milhões de hectares. Ao todo, o país ainda tem em torno de 6% da superfície e 12% do volume de toda a água doce do planeta.

A superfície de água em reservatórios oficiais (monitorados pela Agência Nacional de Águas, ANA) em 2022 também foi a maior dos últimos dez anos: 3.184.448 hectares, 12% a mais que a média da série histórica. Eles respondem por 22% da superfície de água no Brasil; os outros 78% são rios e lagos e pequenas represas.

Contudo, quase três em cada quatro sub-bacias hidrográficas (71%) perderam superfície de água nas últimas três décadas, ou seja, 1,5 milhão de hectares. E mesmo com o aumento geral da superfície de água no país em 2022, um terço (33%) delas ficaram abaixo da média histórica no ano passado.