Fronteira fecha ano com rastro de fogo e sangue de matança sem controle

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A violência manchou de sangue a Linha Internacional entre Brasil e Paraguai em 2019. Apesar de moradores e policiais da região afirmarem que a fronteira sempre teve muitas mortes, a matança deste ano não tem precedentes. Os assassinos armados com pistolas 9 milímetros e fuzis automáticos foram implacáveis tanto em Ponta Porã e Coronel Sapucaia, em Mato Grosso do Sul, quanto nas paraguaias Pedro Juan Caballero e Capitán Bado, as maiores e mais violentas cidades da fronteira.

Números não oficiais, coletados por jornalistas paraguaios que cobrem a violência na fronteira, afirmam que ocorreram pelo menos 250 execuções neste ano nos dois lados da Linha Internacional. Seriam 114 do lado brasileiro e 136 do lado paraguaio.

Embora a maioria das autoridades trate a situação como normal por causa da guerra entre quadrilhas pelo controle do bilionário comércio de drogas e armas – e também o contrabando, outro setor do crime que despertou atenção das facções – não há como negar: 2019 foi ainda pior.

Em quase todos os dias deste ano teve alguma morte na fronteira. Ou era um corpo encontrado “desovado” em estradas ou uma pessoa fuzilada na rua, em plena luz do dia, ou dentro de casa, como ocorreu na noite de 12 de setembro, quando bandidos armados invadiram a casa do empresário Elesbão Lopes Carvalho Filho em Ponta Porã e o mataram com tiros na cabeça.

Elesbão era proprietário de uma casa das embalagens na cidade, mas já havia sido condenado a 132 anos de prisão pelo então juiz federal Odilon de Oliveira, em 2004. Entre 1992 a 1997, Elesbão autorizou aberturas de contas em nomes de “fantasmas” e “laranjas”, na agência do BCN em Ponta Porã.

Foram 29 contas abertas, por onde foram desviados R$ 3 bilhões. Os desvios vieram à tona em grandes escândalos de corrupção no país, mas os verdadeiros donos das contas nunca foram descobertos.

Múltiplas execuções também marcaram o ano na Linha Internacional. Na madrugada de 22 de maio, seis pessoas foram executadas em Pedro Juan Caballero. As vítimas teriam integrado a quadrilha liderada pelo narcotraficante pontaporanense Jarvis Gimenes Pavão, apontado como um dos maiores fornecedores de cocaína da América do Sul, atualmente recolhido no Presídio Federal de Mossoró (RN).

Edson Salinas, o “Ryguasu”, que teria ocupado o lugar deixado após a prisão de Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o “Minotauro”, foi acusado de ordenar as mortes, mas como sempre ocorre, ninguém foi preso ou denunciado pelas mortes.

“É dolorosa a situação. Parece que as pessoas solucionam seus problemas matando os desafetos. Essa situação tornou-se habitual nesta área da fronteira”, afirmou o comissário Ignacio Rodríguez, diretor da Polícia Nacional no departamento de Amambay.

O prefeito de Pedro Juan Caballero, José Carlos Acevedo, disse que a violência gerada pelo crime organizado é difícil de controlar, porque os bandidos eles são governados por seus próprios códigos. “Entre aqueles que praticam atos ilícitos não há cheques, nem notas promissórias. Com balas está resolvido”.

Ponto de desova – Entre tantos lugares escolhidos pelos exterminadores para deixar suas vítimas, o rodoanel de Ponta Porã se tornou o favorito. Foi naquele trecho de terra no prolongamento da Rua Guia Lopes, entre os bairros Estoril e São João, que pelo menos sete corpos foram deixados.

Entre os mortos estavam suspeitos de assaltos na fronteira e duas crianças – um menino de 14 anos, dependente de drogas, suspeito de pequenos furtos no comércio das duas cidades, e o estudante Alex Ziole Areco Aquino, 14. Ossos e pele que sobraram do corpo de Alex foram colocados em um tambor plástico, deixado no rodoanel.

Entre tantas mortes, a execução de Alex, no início de dezembro, foi a que mais chocou a população da fronteira. Genaro Lopes Martins, a mulher dele Denise Pimentel Acosta e um adolescente de 15 anos, irmão da mulher, são acusados pela morte. Todos estão presos em Pedro Juan Caballero. A principal testemunha de acusação é a irmã de Denise.

Novo cangaço – Mas não foram apenas as execuções que dominaram o noticiário policial e as redes sociais neste ano na fronteira. Depois do ataque à bomba a uma agência do Sicredi em Coronel Sapucaia, em abril, a região sul de Mato Grosso do Sul entrou na lista do Novo Cangaço, como são chamadas as quadrilhas de assaltantes que agem no Nordeste do país.

No dia 2 de dezembro, bandidos armados com escopetas e fuzis automáticos, entre eles um calibre 50, atacaram um carro-forte da empresa de transporte de valores Brink’s, na MS-156, entre Caarapó e Amambai. Eles não conseguiram arrombar o carro-forte porque os explosivos falharam, mas na fuga queimaram um carro no meio da estrada, pararam um caminhoneiro para fugir e depois pegaram outro carro.

A tentativa de assalto levou a polícia a uma caçada aos suspeitos. Na madrugada de 4 de dezembro, a polícia localizou o sítio onde os bandidos estavam e matou quatro. O quinto foi morto no mesmo dia, na mata.

Entre eles estavam José Francisco Lumes, o “Zé de Lessa”, era o bandido mais procurado da Bahia. Fundador da quadrilha Bonde do Maluco, Zé de Lessa era o “Ás de Ouro” do Baralho do Crime, organograma montado pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia para identificar os bandidos mais perigosos do estado.

Desde 2014, Zé de Lessa estava foragido da Justiça brasileira. Nos últimos anos morava entre Coronel Sapucaia e Capitán Bado, de onde planejava os assaltos no Nordeste e mandava droga para o Bonde do Maluco, sua quadrilha na Bahia.

A morte da quadrilha foi comemorada pelas autoridades da segurança pública de Mato Grosso do Sul, mas os moradores da Linha Internacional não passaram a ter mais sensação de segurança por isso. Para muitos, a fronteira é “terra sem lei”, onde o aparato estatal é simplesmente ignorado pelo crime organizado.