Papa recebe cacique Raoni no Vaticano

0

Após ser recebido por Macron, marchar com estudantes na Bélgica e passar por Cannes, líder kayapó tem audiência privada com Francisco. Em sua viagem à Europa, ele vem alertando sobre a devastação da Amazônia.

O papa Francisco recebeu nesta segunda-feira (27/05) o líder indígena kayapó Raoni Metuktire em audiência privada na Casa Santa Marta, no Vaticano. O cacique está na Europa desde 12 de maio, em uma viagem de três semanas, para se encontrar com chefes de Estado, alertar sobre as crescentes ameaças à Amazônia e recolher fundos para a proteção da reserva do Xingu, em Mato Grosso.

De acordo com o diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti, com a audiência “o papa reiterou a sua atenção à população e ao ambiente da área amazônica e o seu compromisso com a preservação”.

Gisotti também havia dito, no sábado, ao confirmar o encontro, que “a audiência insere-se no contexto da preparação para a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, que se realizará de 6 a 27 de outubro, no Vaticano, sobre o tema ‘Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral'”.

Raoni é da etnia kayapó e viaja acompanhado de outros três líderes indígenas que vivem no Xingu. Eles enfrentam a devastação de seu vasto território, ameaçado pelo desmatamento, pelo agronegócio e pela indústria madeireira, algo que o próprio papa denunciou quando visitou Puerto Maldonado em janeiro de 2018, uma cidade rural no sudeste do Peru, cercada pela Floresta Amazônica.

“Os povos amazônicos nunca foram tão ameaçados em seus territórios como agora, uma terra disputada em várias frentes: o neoextrativismo e a forte pressão de grandes interesses econômicos que direcionam sua avidez para as monoculturas agroindustriais de petróleo, gás, madeira, ouro”, disse o pontífice na época.

Raoni viaja acompanhado de outros três líderes indígenas que vivem no Xingu / Foto: DivulgaçãoRaoni viaja acompanhado de outros três líderes indígenas que vivem no Xingu / Foto: Divulgação

A viagem de Raoni acontece em meio a tensões com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Em abril, Bolsonaro afirmou que propôs ao presidente Donald Trump a abertura da exploração da região amazônica em parceria com os Estados Unidos. Bolsonaro criticou também o que chama de “indústria” de demarcação de terras indígenas, que inviabilizaria projetos de desenvolvimento da Amazônia, e afirmou que pretende rever demarcações. O governo também defendeu a possibilidade de ampliar atividades de mineração e agropecuária em terras indígenas

O cardeal brasileiro Cláudio Hummes, designado pelo Vaticano como relator-geral do Sínodo, reconheceu recentemente em Roma que a defesa da Amazônia gera muitas “resistências e mal-entendidos”.

“Os interesses econômicos e o paradigma tecnocrático são contrários a qualquer tentativa de mudança e estão prontos para serem impostos com força, violando os direitos fundamentais das populações do território e os padrões de sustentabilidade e proteção da Amazônia”, explicou Hummes.

A Amazônia tem 390 povos indígenas, com identidades culturais e língua distintas, e cerca de 120 aldeias livres em isolamento voluntário.

O território, compartilhado por nove países e habitado por cerca de 34 milhões de pessoas, abriga 20% da água doce não congelada do mundo, 34% das florestas primárias e entre 30% e 50% da fauna e flora do planeta.

O encontro do papa com Raoni também serve para preparar os católicos, segundo o Vaticano, para uma mudança de mentalidade em relação aos índios e suas tradições. A Igreja Católica ouviu, em 260 localidades de sete países, as reclamações de mais de 87 mil habitantes desse território.

A Igreja quer “uma conversão da humanidade ao meio ambiente”, porque a existência de tudo depende de cuidar da natureza e respeitá-la, algo intrínseco a essas culturas ancestrais, explicou Mauricio López, secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM).

Entre os compromissos na Europa, Raoni, de 87 anos, já esteve com o presidente francês, Emmanuel Macron, se uniu a centenas de manifestantes, entre eles vários jovens, na Bélgica, em uma marcha em defesa da Amazônia, do clima e da biodiversidade e caminhou pelo tapete vermelho em Cannes, na França, ao lado do diretor belga Jean-Pierre Dutilleux, que dirigiu o documentário Raoni sobre o líder indígena. O filme foi selecionado para o Festival de Cannes em 1977 e chegou a concorrer ao Oscar em 1979.