Seis anos e cinco mortes depois, Agesul promete intervir na “rodovia das antas”

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Em agosto de 2017, quando a ong Iniciativa Nacional para Conservação da Anta Brasileira (INCAB) e o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) apresentaram o Plano de Mitigação de Fauna Silvestre Atropelada para a Rodovia MS-040, uma pessoa havia morrido em decorrência de acidentes envolvendo antas nesta estrada. Agora, seis anos depois e quando o número já chegou a seis mortes, a Agesul finalmente promete intervir na rodovia e acatar sugestões apresentadas pelas entidades.

A morte mais recente aconteceu na última sexta-feira, quando José Augusto Croneis, de 65 anos, morreu depois de a caminhonete em que ele estava atingir uma anta e capotar várias vezes. Outros três ocupantes, que retornavam de uma pescaria no Pantanal, sofreram ferimentos.

Na manhã desta segunda-feira (08), a assessoria da Agesul, órgão do governo estadual responsável pela gestão da rodovia, informou que existem “dois contratos em andamento para melhorias na MS-040. Estão sendo elaborados projetos executivos de engenharia para restauração de dois trechos da rodovia – um de 94,20 quilômetros (do acesso à Colônia Yamato à ponte do Ribeirão Lontra) e outro de 116,8 quilômetros (do Córrego Santa Terezinha ao município de Santa Rita do Pardo)”, o que contempla praticamente toda a rodovia.

A nota diz ainda que “esses dois projetos levam em consideração as diretrizes do Manual de orientações técnicas para mitigação de colisões veiculares com a fauna silvestre nas rodovias de Mato Grosso do Sul, documento construído pelo Governo do Estado em parceria com a UEMS e ONGs ambientais”.

Sem dar maiores detalhes, a nota informa que “os projetos de restauração da MS-040 contemplam a instalação de dispositivos de segurança, como sinalização, passagem de fauna e tela de direcionamento de animais. Após a conclusão dos projetos, o objetivo é lançar as licitações das obras”, conclui a nota da Agesul.

O projeto entregue pelas Ongs ainda em 2017 sugere a instalação de cerca de cem quilômetros de telas reforçadas nos pontos mais críticos, onde já existes passagens sob a rodovia, como bueiros, pontes e passagem de rebanhos bovinos.

Com fotos e localização exata das 39 passagens, o estudo aponta a necessidade de colocação de 500 metros de gradio de cada lado da passagem subterrânea e de cada lado da rodovia. Além disso, o relatório, feito sem custos para os cofres públicos, aponta a necessidade de instalação de mais 11 passagens subterrâneas, que poderiam ser instaladas sem interrupção do tráfego, conforme o estudo.

Embora a nota da Agesul não tenha detalhado o que será feito exatamente, deixa claro que parte destas sugestões serão acatadas, já que, além de sinalização, serão instaladas telas e passagens para fauna.

A Agesul também não informou um prazo para que as intervenções ocorram, mas a instituição tem ciência da gravidade da situação. Somente neste ano, reconhece a Agesul, foram 13 acidentes envolvendo antas e veículos na MS-040, o que dá uma média de um caso a cada dez dias.

Também não existe qualquer estimativa de custo para instalação destas telas, mas não é necessário ser especialista para saber que não se trata de algo muito caro. Seriam cerca de dez mil postes de concreto e cem mil metros de tela com cerca de dois metros de altura.

Em média, o poste pode ser adquirido por até R$ 100 e o metro de tela não ultrapassa os 15 reais. Ou seja, a principal intervenção sugerida pelas Ongs custaria em torno de R$ 2,5 milhões, sem contabilizar a mão de obra.

Tela convencional sugerida pelos pesquisadores teria de ser instalada próximo às passagens subterrâneas da MS-040

E, mesmo que seja o dobro do valor, já que para o poder público os custos são geralmente superdimensionados, o custo benefício é significativo, embora não seja possível calcular o valor de uma vida humana e nem de um animal silvestre.

Conforme Patricia Medici, doutora em Manejo de Biodiversidade, desde o final de 2014, quando a MS-040 foi inaugurada, existe o registro de 206 antas mortas por atropelamento ao longo dos cerca de 210 quilômetros entre Campo Grande e Santa Rita do Pardo. Mas, a estimativa é de que o número seja pelo menos 50% maior, já que muitas morrem longe da estrada e outras são removidas e acabam não sendo catalogadas.

NINGUÉM SABE

E além de ter o número de antas mortas, ela é a única que soube informar o número mortes humanas em decorrência desse tipo de acidente. E, de acordo com ela, depois do caso de sexta-feira (05) são pelo menos seis mortes. Sobre a quantidade de feridos, não existe estimativa, mas são dezenas de pessoas, acredita ela.

Prova de que a Ong que cuida e pesquisa bichos se preocupa mais com “rodovia das antas” do que as autoridades estaduais que, em tese, deveriam cuidar da vida dos usuários da rodovia, está no fato de ninguém conseguir responder quantas pessoas já morreram nesta estrada em decorrência deste tipo de acidente.

A Agesul informou que “não trabalhamos com essa informação. Sugiro procurar a Polícia Militar Rodoviária ou o Corpo de Bombeiros”. O comando da Polícia Rodoviária, por sua vez, informou que “isso só pesquisando. Tem que verificar BO por BO”.  A assessoria da Polícia Militar Ambiental também não tem levantamentos e sugeriu que a reportagem buscasse informações com pesquisadores.

E depois desta sugestão é que a reportagem chegou a Patricia Medici, que pesquisa o assunto desde 2008 em Mato Grosso do Sul e que atualmente está na Amazônia, no Estado do Pará. Ela, inclusive, já conseguiu que o Ministério Público abrisse, em 2016, um inquérito para investigar as mortes. Mas, por decorrência de prazo, estendido duas vezes, o inquérito foi engavetado.

Depois disso, em 2018, foi aberta uma Ação Civil Pública pela promotoria, mas até hoje também não surtiu efeito, embora as mortes de pessoas e de antas sejam noticiadas com frequência.

RODOVIA DAS ANTAS

A MS-040 não é a única que é palco de acidentes com animais silvestres. A estimativa é de que desde 2013 tenham sido atropeladas pouco mais de 700 antes em 34 rodovias de Mato Grosso do Sul. Neste período, cerca de 40 pessoas morreram em decorrência de colisões com animais silvestres.

Porém, a 040 é a estrada com maior incidência. O estudo entregue em 2017 por Patricia Medici faz “uma comparação entre a Rodovia BR-267, considerada a campeã em atropelamentos de anta brasileira, e a Rodovia MS-040. Na BR-267, no trecho entre os municípios de Nova Alvorada do Sul e Bataguassu (incluindo 220 quilômetros de rodovia), foram detectadas 86 carcaças de anta em 51 meses, enquanto que na MS-040 (também incluindo cerca de 220 quilômetros), foram detectadas 78 carcaças de anta em pouco mais de metade deste período, 28 meses”.

Esse mesmo estudo aponta dois trechos mais críticos. O primeiro fica entre o quilômetro 20 e 50 e o segundo, entre os quilômetros 100 e 150. O km zero da rodovia é no entrocamento com a BR-163, próximo ao conjunto Moreninhas, em Campo Grande.