Suspensão da emissão de passaporte preocupa companhias aéreas e agências

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A suspensão da confecção de novas cadernetas de passaportes no Brasil — que teve início em 19 de novembro, terminou no dia 30 e foi retomada à 0h de 5ª feira (1º.dez) sem previsão de retorno do serviço — preocupa a Associação Brasileira de Agências de Viagens (ABAV) e as companhias aéreas. O documento é necessário para a entrada em vários países, e a interrupção da emissão, portanto, pode impactar a demanda por viagens internacionais.

 

Segundo o vice-presidente de marketing e eventos da ABAV, Frederico Levy, a interrupção causa preocupação na entidade em dois sentidos: no de que a população paga para obter o passaporte e pessoas não conseguem recebê-lo, e no do impacto negativo potencial na venda dos produtos e serviços pelas agências, operadoras turísticas e consolidadoras. “Vai gerar um impacto grande acho que provavelmente [para] a partir de fevereiro, Carnaval”, pontua.

Levy explica não haver uma preocupação por parte da ABAV com um possível efeito da suspensão sobre a venda de viagens para este final de ano, pois “já estão vendidas”, mas sim em relação às que estão estabelecidas “mais para frente”, porque “se a pessoa não comprou ainda e não tiver perspectiva de sair o passaporte, se a pessoa estiver com o passaporte vencido ou para vencer, ela logicamente não vai arriscar gastar um dinheiro num pacote, pode ter outros cancelamentos, uma série de coisas, e com certeza vai impactar [a comercialização]”.

Ainda de acordo com Levy, mesmo com o dólar alto frente ao real, o setor de agências de viagens possui uma perspectiva da continuidade de uma curva ascendente na venda de pacotes de viagens internacionais no país, curva essa iniciada com a abertura de fronteiras pós-período mais crítico da pandemia. “Então, com certeza, se houver uma demora [para o fim suspensão da confecção de passaportes], vai de ascendente para descendente. Isso não é muito mistério, vai ser realmente afetada”, complementa.

Levantamento feito pela ABAV mostra que 43,3% das agências associadas tiveram um faturamento 50% maior no terceiro trimestre de 2022, em comparação com o mesmo período de 2021. E em 18,9%, o faturamento foi 25% superior. Para 30% das empresas associadas, 60% do volume de vendas no período foi representado por viagens no território nacional, e 40%, internacional. Para 27,8%, 100% viagens internacionais. E para 26,7%, 40% viagens nacionais e 60% internacionais.

No trimestre, Portugal liderou os destinos internacionais mais adquiridos, seguido por Estados Unidos, Itália, Argentina e França. Em todos, com exceção do penúltimo, o brasileiro precisa de passaporte para entrar se não for cidadão do local ou tiver autorização especial. Na temporada de férias de julho, diz o levantamento, os destinos internacionais mais procurados foram Lisboa, Orlando e Paris, Miami e Buenos Aires.

Na plataforma de pesquisa, comparação e compra de passagens aéreas MaxMilhas, o número de passagens internacionais vendidas no período de janeiro a novembro deste ano cresceu 72%, frente ao registrado no mesmo período do ano passado. “Além disso, essa vertical cresceu 128% no faturamento”, disse a empresa ao SBT News. Entre os destinos mais procurados, estiveram Lisboa, Portugal (1º), Buenos Aires, Argentina (2°), Montevideo, Uruguai (3º), Santiago, Chile (4º), Miami, EUA (5º), Nova Iorque, EUA (6º), Orlando, EUA (7º), Punta Cana, República Dominicana (8º), Cancún, México (9º), e Assunção, Paraguai (10º).

Questionada pelo SBT News se observa a suspensão da emissão de passaportes em vigor e se isso a preocupa, a Latam, uma das maiores companhias aéreas do Brasil, disse que “acompanha o assunto e avalia que a redução da verba para a emissão de passaportes pode impactar a demanda por viagens internacionais”. Outra, a Gol, afirmou estar atenta “para qualquer evento fortuito ou de força maior que possa impactar a viagem” dos clientes, para dessa forma a agir “proativamente em busca de ações mitigatórias”, e que, sim, a interrupção da emissão das cadernetas pela Polícia Federal (PF) gera preocupação na empresa. “Ainda não recebemos informações oficiais sobre a extensão da paralisação, de forma que, no caso de se confirmar um cenário de longo período de suspensão, avaliaremos o impacto”, completa.

De janeiro a dezembro deste ano, a PF emitiu 2.056.827 passaportes. O número é 60,47% superior ao total de emissões no ano passado (1.281.749). A corporação alega falta de verba para a fabricação dos documentos, para suspender o serviço. Frederico Levy reforça que não cabe à ABAV “sugestões da ordem do que o Tesouro faz com o dinheiro dele”, mas que a associação está “totalmente aberta” para qualquer sugestão que o governo, a área do turismo, o Ministério do Turismo, todos os envolvidos precisarem de ajuda da ABAV, e de as outras associações também estão sempre dispostas a ajudar no que for possível, mas nunca fazendo ingerência sobre a atividade deles”. “Mas realmente para a gente é muito preocupante. A gente vem de dois anos para três anos de pandemia, mercado começando a reaquecer, voltando a recontratar, muitos empregos gerados no turismo este ano e agora vem uma dessa.”

Risco ao ecossistema turístico

Segundo o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Ebape) e gerente de projetos da FGV Projetos, André Coelho, a suspensão da confecção de passaportes “é sempre preocupante”, porque, em qualquer serviço regular em que há uma suspensão abrupta do seu funcionamento, a permanência da suspensão certamente terá consequências “mais variadas”.

“Falando de economia especificamente, a suspensão da emissão dos passaportes tem alguns efeitos, dentre eles o principal que eu destaco aqui é o setor de viagem, o impedimento de as pessoas viajarem para o exterior, o que faz também com que haja um desbalanço aí: se você tem poucos brasileiros saindo, você tem no futuro uma menor oferta de assentos, e aí também dificulta a entrada de turistas no Brasil. Mas a gente vai estar falando de um longo prazo. Então para efeitos de curto prazo, para a economia, ainda não se mede um efeito muito significativo, afora o problema do serviço em si para as pessoas. Para a economia esse efeito ainda não acontece. Mas isso perdurando, pode começar aí, sim, causar problemas, exatamente por essa falta de fluxos, de entrada e de saída”, acrescenta.

Ainda de acordo com o especialista, o turismo saiu “da cesta de consumo dos brasileiros”, devido à pandemia, mas retomou significativamente neste ano, e o verão de 2022/2023 e as férias de julho do próximo ano “são períodos muito importantes para se medir essa retomada do turismo internacional, então esse tipo de suspensão é muito preocupante porque todo o turismo vem num processo de retomada forte, voltando para a cesta de consumo dos brasileiros, e você tem um grupo significativo de pessoas com capacidade de viagem para o exterior”. Existe, fala André Coelho, “uma demanda reprimida para viagens para o exterior já com uma solução sanitária grande no mundo, então a não existência de passaportes pode aí, sim, implicar num impedimento dessas pessoas de viajarem e aí causar um distúrbio em todo o ecossistema turístico”.

Refletindo sobre a justificativa dada pela PF para suspender a confecção de passaportes, o professor diz que é preciso existir sempre orçamento para a atividade. “Uma justificativa de orçamento para um prazo muito curto, ela pode ser aceitável por uma questão de necessidade de remanejamento, mas o serviço de passaporte é um serviço contínuo, que sempre existiu e sempre tem que existir, então não pode faltar orçamento para esse tipo de serviço”, pontua.