Homenageado, pai de ex-assessora articulou fraude em ponto da Alerj com Queiroz e advogado de Flávio Bolsonaro, aponta MP

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RIO – Assim que vieram à tona movimentações atípicas nas contas bancárias de Fabrício Queiroz, em dezembro de 2018, o pai de uma ex-funcionária do então deputado estadual Flávio Bolsonaro tentou encobrir os indícios da suposta “rachadinha” com auxílio do próprio Queiroz e de um advogado de Flávio. Segundo o Ministério Público do Rio (MP-RJ), Fausto Antunes Paes, homenageado pelo então deputado em 2005 na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e pai de Luiza Souza Paes, que esteve lotada no gabinete de Flávio entre 2011 e 2012, conversou com Queiroz e com o advogado Luiz Gustavo Botto Maia para combinar versões de depoimentos e adulterar a folha de ponto da Alerj, não assinada pela filha. Luiza é descrita pelos investigadores como “assessora fantasma”.

As informações constam no despacho, obtido pelo GLOBO, em que o juiz Flávio Itabaiana autorizou a prisão preventiva de Queiroz e mandados de busca e apreensão contra Luiza Paes e Luiz Gustavo Botto Maia, na quinta-feira. A mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, também é alvo de mandado de prisão preventiva, mas está foragida.

De acordo com a investigação, Fausto mandou uma mensagem para Luiza em 7 de dezembro de 2018, assim que veio à tona um relatório do Coaf apontando movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas contas de Queiroz, preocupado com o avanço das investigações. “Agora deu ruim!”, escreveu Fausto, em mensagens obtidas pelo MP-RJ

Em seguida, Fausto afirmou à filha que enviaria “um áudio aqui pro Queiroz, perguntar para ele ver lá com aquele advogado lá qual é a melhor atitude a tomar”. Alguns dias depois, o advogado Luiz Gustavo Botto Maia, que representa Flávio Bolsonaro em causas eleitorais, comunicou a Luiza, também por mensagem, que ela tinha uma “pendência” para assinar na Alerj, referente a 2017. Posteriormente, Luiza relatou ao pai que o advogado de Flávio queria que ela preenchesse um ponto não assinado antes de apresentá-lo a jornalistas.

“Parece que os jornalistas começaram a perturbar o juízo dele, aí eles foram levantar o meu ponto e parece que tá faltando alguma informação. (…) Aí ele supostamente está querendo ajudar antes de entregar isso para jornalista. Só que eu não lembro de não ter assinado algum ponto, entendeu?”, disse Luiza.

Embora tentasse regularizar sua situação como funcionária da Alerj, dados telefônicos de Luiza apontam que ela esteve apenas três vezes nas imediações do local de trabalho num intervalo de três anos, segundo o MP. Ao ouvir o relato da filha, Fausto responde que poderia ele mesmo buscar o ponto sem assinatura e levá-lo para a filha assinar retroativamente.

De acordo com as mensagens, Luiza e Fausto só sentiram-se tranquilos para assinar o ponto na Alerj depois que o pai recebeu mensagens de Queiroz, no fim de janeiro de 2019. O ex-assessor de Flávio disse a Fausto que era “muito seguro” e orientou que Luiza fosse acompanhada de “Pequena”, apelido de Alessandra Esteves Marins, segundo os investigadores. De acordo com Queiroz, “Pequena” precisava “ficar em dia”. Alessandra, que também foi alvo de mandados de busca e apreensão nesta quinta-feira, está lotada até hoje como funcionária de Flávio Bolsonaro, atualmente no escritório de apoio do senador no Rio.

De acordo com o MP, Luiza teve auxílio de Matheus Azeredo Coutinho, funcionário do departamento de pessoal da Alerj – e também alvo de busca e apreensão na operação “Anjo” nesta quinta-feira. De acordo com os investigadores, eles “efetivamente adulteram as provas dos crimes de peculato ao inserirem informações falsas em documentos públicos, assinando retroativamente os registros de pontos relativos ao ano de 2017, com a clara finalidade de embaraçar as investigações acerca da organização criminosa que desviava recursos públicos pelo esquema das ‘rachadinhas’ com atuação de ‘funcionários fantasmas'”.

Organizador da ‘pelada’ do bairro

Fausto Antunes Paes recebeu uma moção de congratulações e louvor assinada por Flávio Bolsonaro em novembro de 2005. Na homenagem feita pelo então deputado estadual, Fausto é descrito como “presidente do grupo de veteranos ‘Fala tu que eu tô cansado’ de futebol soçaite de Oswaldo Cruz”, bairro da Zona Norte do Rio. Além de organizar a “pelada” do bairro, Fausto tem endereço na mesma rua onde também morou Angela Melo Fernandes Cerqueira, ex-cunhada de Fabrício Queiroz. Quando a reportagem do GLOBO esteve no local, no ano passado, foi recebida pelo irmão de Angela, Anderson, que reagiu com irritação: “Eu sei que vocês estão atrás do negócio do Queiroz”, disse à época.

Segundo o MP-RJ, Luiza fez repasses de R$ 155 mil para Fabrício Queiroz entre 2016 e 2017, quando estava nomeada em função interna da própria Alerj. Para os investigadores, trata-se de um indício da prática de “rachadinha” – isto é, a devolução de parte dos salários por funcionários -, que é ilegal. O MP aponta que Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões de colegas de Alerj, sendo que quase 70% veio em dinheiro em espécie.

Após as investigações contra Queiroz virem à tona, Fausto pediu a Luiza, em mensagens obtidas pelo MP, que levasse extratos bancários para casa, a fim de serem analisados pelo pai. Segundo Fausto, o objetivo era combinar uma versão com Queiroz antes que prestasse seu primeiro depoimento aos investigadores, ainda no fim de 2018. “Pra mim aproximar mais ou menos o valor que ele recebeu, né? Com o que eu devia a ele, né? Para que ele não fale um valor que não fique próximo do que a gente pagou”, disse Fausto à filha.

Queiroz acabou prestando depoimento apenas em fevereiro de 2019, e por escrito. Depois disso, ele teve seu sigilo bancário quebrado e foi alvo de mandados de busca e apreensão, ainda em 2019, antes de ser preso preventivamente nesta semana. Segundo o MP, Queiroz poderia atrapalhar as investigações e convencer testemunhas a não prestarem depoimentos, caso seguisse em liberdade.

MP suspeita da origem de R$ 261 mil pagos em dinheiro a escolas e plano de saúde da família de Flávio Bolsonaro

O pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro que levou à prisão de Fabrício Queiroz — preso na quinta-feira (18) — levanta suspeita sobre R$ 261 mil pagos em dinheiro por mensalidades escolares e plano de saúde das filhas de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Segundo o documento, ao qual a TV Globo teve acesso, foram 116 boletos quitados em espécie.

Ao menos dois desses boletos, de mensalidades de um colégio no Rio, foram comprovadamente pagos por Queiroz, segundo o MP.

Câmera de segurança de banco dentro da Alerj registrou, em 1º de outubro de 2018, às 10h21, Queiroz fazendo pagamentos em dinheiro de dois títulos bancários — Foto: Reprodução/TV Globo

Câmera de segurança de banco dentro da Alerj registrou, em 1º de outubro de 2018, às 10h21, Queiroz fazendo pagamentos em dinheiro de dois títulos bancários — Foto: Reprodução/TV Globo

O ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa (Alerj) quitou duas mensalidades, de R$ 3.382,27 e R$ 3.560,28, em 1º de outubro de 2018, segundo fotos e dados incluídos no processo.

Ao cruzar dados e imagens de câmeras de segurança de agência bancária de dentro da Alerj, o MPRJ concluiu que Fabrício Queiroz fez esses dois pagamentos.

Queiroz foi assessor do hoje senador Flávio, filho do presidente Jair Bolsonaro, quando ele era deputado estadual no Rio. O ex-assessor teve a prisão preventiva decretada por suspeita de participação em um esquema de “rachadinha”.

Segundo a investigação, funcionários de Flávio devolviam parte do salário, e o dinheiro era lavado por meio de uma loja de chocolate e através do investimento em imóveis.

O pagamento das mensalidades seria mais um indício de que a arrecadação do salário dos servidores do gabinete voltava para o parlamentar.

“A análise de suas atividades bancárias permitiu ao Gaecc/MPRJ comprovar que Fabrício Queiroz também transferia parte dos recursos ilícitos desviados da Alerj diretamente ao patrimônio familiar do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, mediante depósitos bancários e pagamentos de despesas pessoais do parlamentar e de sua família”, diz trecho da decisão .

Queiroz no momento da prisão, em Atibaia (SP) — Foto: Bom Dia Brasil

Queiroz no momento da prisão, em Atibaia (SP) — Foto: Bom Dia Brasil

Os investigadores acreditam que Queiroz era uma espécie de operador financeiro de Flávio Bolsonaro, que seria o líder da organização criminosa.

“As movimentações bancárias atípicas e o contexto temporal nas quais foram realizadas resultam em evidências contundentes da função exercida por Fabrício Queiroz como operador financeiro na divisão de tarefas da organização criminosa investigada, tanto na arrecadação dos valores desviados da Alerj quanto na transferência de parte do produto dos crimes de peculato ao patrimônio familiar do líder do grupo, o então deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro”, diz trecho do pedido do MP.

Queiroz é amigo da família Bolsonaro desde a década de 80 e e foi chefe de gabinete de Flávio na Alerj. Ele trabalhou com o então deputado até ser exonerado em outubro de 2018, época da eleição presidencial de Jair Bolsonaro.

Movimentação de R$ 1,2 milhão em 2016 e 2017

Caso Queiroz: MP descobriu depósitos de quase R$ 3 milhões na conta do ex-assessor

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Caso Queiroz: MP descobriu depósitos de quase R$ 3 milhões na conta do ex-assessor

O procedimento investigatório criminal do Ministério Público Estadual do RJ que apura as irregularidades envolvendo Queiroz na Alerj chegou a ser suspenso por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, após pedidos de Flávio Bolsonaro em 2019.

As investigações envolvem um relatório do Coaf, que apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Alerj. Recursos usados para pagar funcionários na Alerj voltavam para os próprios deputados estaduais.

A movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz ocorreu, segundo as investigações, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, incluindo depósitos e saques.

Prisão em São Paulo

Conheça os bastidores da investigação que levou à prisão de Fabrício Queiroz: ‘Parecia ref

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Conheça os bastidores da investigação que levou à prisão de Fabrício Queiroz: ‘Parecia ref

Queiroz foi preso em Atibaia, interior de São Paulo, em um imóvel de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro.

Na quarta-feira, Wassef estava no Palácio do Planalto, na cerimônia de posse do ministro das Comunicações.