Parentes fazem vigília na madrugada em busca de desaparecidos

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BRUMADINHO (MG) — Doze horas já haviam se passado desde o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão e a dona de casa Sonia Roza de Fátima Silva, 63 anos, ainda chorava sem notícia do filho numa cadeira da Estação Conhecimento de Brumadinho , um centro esportivo, educativo e cultural mantido pela Fundação Vale e que se tornou ponto de referência para quem buscava notícia de desaparecidos ou um teto para se abrigar. O engenheiro Alexis Adriano da Silva, 41 anos, trabalha na mina e visualizou o whatsapp pela última vez às 12h15 de sexta-feira, pouco antes da tragédia, mas não respondeu ao pedreiro que cuidava da reforma do apartamento onde mora com a mãe e os dois filhos pequenos, de 3 e 6 anos de idade, em Belo Horizonte. Depois disso, não viu mais qualquer mensagem.

Alexis havia ficado viúvo há exatos três anos. A mulher dele, mãe dos dois meninos, morreu no parto do filho mais novo. Desde então, Sonia ajuda a tomar conta dos netos.

— Ele tinha voltado das férias na quarta-feira – repetia Sonia, inconformada.

— É essa hora que a gente sente que não pode fazer nada. Só esperar. Ele chegava em Belo Horizonte todo dia às 18 horas. Vinha de carro uma parte e depois pegava o ônibus da mineradora. Hoje ele não pegou o carro, reboquei – conta José Maria Silva, o pai de Alexis.

Era 1h40m deste sábado quando uma das funcionárias que faziam o cadastramento dos desabrigados chegou com uma lista na mão. Rapidamente foi cercada por um grupo de pessoas. Sem ter o que falar, a mulher entrou rapidamente na sala. Imediatamente, começaram os rumores: a lista não tinha novidade alguma. Era a primeira – e única – lista de pessoas encaminhadas a hospitais que havia sido distribuida logo após a tragédia, por volta de 1h30 de sexta.

— O único lugar que eu não fui foi no Hospital João 23, em Belo Horizonte. Em todos os outros lugares que dizem ter informação eu já fui – diz, nervosa, Sirlene Januário.

O filho dela, Rangel do Carmo Januário, de 22 anos, trabalhava no escritório da mina há um ano.

— Falaram que ia tocar sirene, alarme, mas não tocou nada. Acho que a sirene caiu e foi levada pela lama – dizia Maria Aparecida dos Santos, 44 anos.

Com a filha de 9 anos, A.C., Aparecida, como é chamada, repetiu muitas vezes a história de como ela correu com a filha para a parte mais alta quando ouviu o estrondo e viu a nuvem de fumaça e lama tomar conta da Fazenda Engenho Novo, onde mora e trabalha há cerca de 13 anos. Ali, afirma, não sobrou nada da fábrica onde ela debulhava milho para fazer fubá e canjiquinha. Antes de fazer alimento, a fazenda produzia cachaça. Com a morte do patriarca da fazenda, relembra Aparecida, o atual patrão, um dos herdeiros, decidiu mudar de ramo.

Junto com o marido, José Maria Medeiros, 40 anos, Aparecida ajudou a resgatar uma vizinha que havia sido tragada pela lama. Medeiros diz que a jovem, de uns 20 e poucos anos, saiu viva e foi levada pelos bombeiros para um hospital. Embora a sirene não tenha funcionado, Medeiros disse que valeu o treinamento feito há cerca de oito meses para a comunidade, onde aprenderam o que fazer caso a barragem rompesse. Fugir para o alto.

A jovem resgatada teve sorte.

— Ficaram lá debaixo da lama o marido dela, o Toninho; a irmã dela, Pamela, e um menininho de uns dois anos, filho dela – lamenta Medeiros.

Ainda sem ter para onde ir, já que a casa foi soterrada, Medeiros tentava acalmar e proteger a mulher enquanto tomava café preto e comia um pão sem manteiga servido por volta de meia noite a quem estava por ali. Filas de ônibus ainda aguardavam para levar as famílias para hoteis a serem pagos pela mineradora.

— Eles ensinaram a gente as rotas de fuga e foi pra lá que eu corri. Deram também um kit com um colete e umas burundangas lá. Mas imagine se eu volto para pegar? Se eu voltasse para pegar até documento, tinha ficado lá na lama – conta Aparecida.

Sem sirene, foram os gritos dos vizinhos e do filho que tiraram de casa Rosiane Cordeiro da Conceição, 46 anos, e o marido Domingos Bento Silva, 62 anos.

— Deus foi misericordioso. O Domingos vai todo dia pescar lá embaixo na lagoa. Hoje não foi. Se tivesse ido não estava vivo. A lagoa virou lama. Não existe mais o Còrrego do Feijão – diz Rosiane.

Entre os vários Silva do povoado do Córrego do Feijão – calculam os moradores que haviam ali pelo menos 200 casas – estava Anael José da Silva, 34 anos, a mulher, Marineide Santos, e três sobrinhos – de 9, 11 e 15 anos – e uma calopsita comprada há 15 dias pela família – ainda não se sabe se macho ou fêmea, mas, na falta de um nome, batizada pelas crianças de Priscila. A casa deles ficou ilhada pela lama, mas não foi tragada.

Anael, que trabalha numa das minas do complexo de Paraopebas, que reúne outras além das minas da Vale, diz que a mina do Córrego do Feijão estava desativada há cerca de três anos e que havia voltado recentemente a ser operada.

— Essa pilha da barragem era seca, tinha já até mato que nasceu em cima dela. Mas isso engana. Por baixo era lama – afirma Anael.

Apesar do risco de viver perto das barragens, ele não havia notado nada que pudesse levar a prever que tudo iria ruir. Marineide se surpreende com a velocidade com que tudo foi abaixo.

— Eu ouvi um barulho tipo trovão e vi poeira, mas que era rejeito voando pra todo lado. Estava na pia da cozinha e em menos de um minuto a lama já estava do lado de casa. Chamei meus sobrinhos e saímos correndo. A fiação de luz caiu tudo. Foi um piscar de olhos.