Indígenas Guarani e Kaiowá entram com ação contra a Funai por demarcação de terras

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Indígenas da comunidade Kurupi do povo Guarani e Kaiowá entraram com um processo contra a União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) na última sexta-feira (30). A ação pede a conclusão da demarcação do território localizado no município de Naviraí que iniciou em 2005.

Conforme informado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o objetivo é retomar o processo administrativo de identificação e delimitação das terras requeridas pela comunidade em 1999, mas que só teve o pedido ratificado pela Funai em 2005.

Ao Correio do Estado, o coordenador do Cimi regional de Mato Grosso do Sul, Matias Benno Rampel, informou que atualmente 39 famílias ocupam a região que abriga a comunidade Kurupi, no entanto, se considerar o número de famílias que estão abrigadas em reservas esse número é ainda maior.

“Atualmente esse é o número de famílias na região, mas o número é ainda maior. Após demarcação, as famílias que antes viviam nesse território e agora estão em reservas indígenas podem retornar para suas terras”, explicou.

O Cimi afirma que a ação proposta pela comunidade é resultado de um longo processo vivido pelos Guarani e Kaiowá, que antes de decidir entrar com a ação tentou outras medidas administrativas.

“Foram inúmeras as cartas e pedidos de urgência enviados ao órgão indigenista oficial para que se concluísse os estudos de identificação e delimitação do território Kurupi, que é a primeira das sete etapas que constam no Decreto 1775/96, que regulamenta a demarcação das terras indígenas no país”, ressalta.

“A gente está sendo enganado há muito tempo. A gente se calou demais. Ficou muito tempo calado. Agora chega”, afirmou Kunumi Vera’ju, morador do tekoha Kurupi, cujo território está localizado às margens da rodovia BR 163, no município de Naviraí.

Conflito

Matias Benno Rampel afirma que a falta de continuidade no processo de demarcação resultou em consequências drásticas à comunidade Kurupi, que vive sob a mira de policiais e fazendeiros da região.

Indígenas Guarani e Kaiowá em sinal de resistência a invasão de território.

“Já presenciamos tortura, incêndios e diversos outros atentados, a região não passa uma semana sem conflitos. Acartar essa ação movida pelos indígenas significa acabar com décadas de violência”, destacou.

As ameaças e os ataques sofridos pela comunidade compõe o processo como motivação para seu ingresso. Para a comunidade, a incerteza quanto à demarcação de suas terras acirra a violência na região e aumenta a tensão entre indígenas e fazendeiros.

“A gente quer a nossa demarcação para acabar com esse tipo de conflito no campo, porque enquanto não sair alguma decisão boa para nós, vai continuar sendo dessa forma. Estamos entrando com essa ação, porque a gente quer resultado”, afirma o representante da comunidade.

Ação inédita

O Cimi afirma que essa é a primeira vez que uma comunidade indígena figura como autora de uma ação judicial, um caso inédito no âmbito jurídico brasileiro. A singularidade está no fato de não ser o Ministério Público Federal (MPF), em nome da comunidade, a propor a ação, como comumente ocorre em processos de judicialização, e sim a própria comunidade.

Segundo Anderson Santos, assessor jurídico do Cimi Regional Mato Grosso do Sul e advogado da comunidade na ação, junto com a advogada Gabriela Milani Pinheiro, as populações indígenas são consideradas pela Constituição Federal como pessoa jurídica, podendo, portanto, entrar como autoras de uma Ação Civil Pública.

Conforme pontuou o assessor do Cimi, o caso destaca o protagonismo indígena na ação. “Evidencia a autodeterminação e o rompimento da tutela, pois a comunidade litiga em juízo, perquirindo seus direitos constitucionais previstos na Constituição Federal de 1988 e efetivando os direitos previstos o art. 232 do texto constitucional”, explica.

Pedidos

Na ação, a comunidade solicita à Justiça Federal de Naviraí o atendimento de pedido liminar que determina à União e à Funai a retomada imediata dos

Comunidade Kurupi 

estudos de identificação e delimitação do território. Caso o pedido seja acolhido pela Justiça, a Funai tem o prazo de um ano para concluir e publicar o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RECID).

O documento é gerado após pesquisas realizadas pela equipe interdisciplinar que integra o Grupo de Trabalho de identificação e delimitação criado pelo órgão. No relatório, constam dados importantes de natureza antropológica, histórica, fundiária, agrária e ambiental capazes de definir os limites e a caracterização da área de usufruto e direito da comunidade.

A ação impõe ainda, multa diária de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) em caso de descumprimento dos prazos, podendo incorrer até o cumprimento da ação.

Para a comunidade, o acolhimento da ação pela Justiça Federal é urgente. “A gente sabe que não é só Kurupi que está pedindo [medidas da Justiça], mas o nosso caso é emergencial porque a gente é o [grupo] que mais sofre ataques aqui no Mato Grosso do Sul”, afirma Kunumi Vera’ju.